Ana Paula Oriola De Raeffray.
Doutora e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Membro da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Previdência Complementar e Saúde Suplementar - IPCOM. Presidente da Comissão Especial de Previdência Complementar da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo - OAB/SP.
Sumário: I- Introdução. II- A responsabilidade pelos investimentos no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar. III - A responsabilidade do administrador os fundos de investimento e dos prestadores de serviços - Lei da Liberdade Econômica. IV - Conclusão.
Resumo: A relação entre as entidades fechadas de previdência complementar e os fundos de investimento precisa se pautar na definição das obrigações de todas as partes envolvidas, para a correta imputação de responsabilidades.
Palavras-chave: entidades fechadas de previdência complementar - fundos de investimento - obrigações - responsabilidade subjetiva - imputação.
I - Introdução
As entidades fechadas de previdência complementar, também conhecidas como fundos de pensão, especialmente aquelas regidas pela Lei Complementar nº 108, de 29 de maio 2001, as quais contam com planos de benefícios patrocinados pelos entes federativos, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, ainda estão enfrentando as graves consequências resultantes da ampla investigação que teve início com os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, criada em 12 de agosto de 2015 pela Câmara de Deputados, mais conhecida como CPI dos Fundos de Pensão.
As investigações estavam voltadas para os prejuízos sofridos pelos fundos de pensão, em virtude de perdas sofridas nos investimentos realizados com os recursos garantidores dos planos de previdência complementar administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar, envolvendo grave desvalorização de ativos, chegando, segundo informado pela imprensa na época a 113,4 bilhões de reais, no período de 2011 a 2015.
A CPI dos Fundos de Pensão contou com consultoria integrada pelos servidores da Câmara de Deputados e de outras instituições como a Polícia Federal, Banco Central do Brasil - BACEN, Comissão de Valores Mobiliários - CVM e da Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, dela resultando a chamada Operação Greenfield deflagrada pela Polícia Federal, e seus desdobramentos posteriores e uma série de inquéritos civis e penais, indiciamentos e denúncias em face dos dirigentes das entidades fechadas de previdência complementar, além infinidade de ações judiciais, ainda pendentes de julgamento.
O relatório final da CPI dos Fundos de Pensão[1] indica, acima de tudo, para a pior de todas as consequências: o sério desequilíbrio (déficit) no patrimônio dos planos de previdência complementar administrados pelas entidades investigadas, comprometendo o pagamento dos benefícios contratados, inclusive dos benefícios já concedidos aos aposentados.
A partir dessa apuração são trazidos à tona os mecanismos de investimentos que eram utilizados para causar as graves perdas ao patrimônio administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar, apontando as estruturas dos fundos de investimento como facilitadoras das condutas danosas. Dentre as espécies de fundos de investimentos, duas delas passaram por um grave abalo de credibilidade, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e os Fundos de Investimento em Participações (FIP).
Não obstante os investimentos dos recursos garantidores administrados pelos fundos de pensão sofrerem intensa regulação e fiscalização, seja pelo Conselho Monetário Nacional - CMN, seja pela PREVIC, emerge do relatório da CPI do Fundos de Pensão e, depois, de demais relatórios, de inquéritos e de ações judiciais que dele se originaram, que os FIP e os FIDC serviam como meio de descumprimento dos limites quali-quantitativos de alocação dos ativos administrados pelos fundos de pensão, estabelecidos à época pela Resolução CMN nº 3.792, de 24 de setembro de 2009, posteriormente revogada pela Resolução CMN nº 4.661, de 25 de maio de 2018, bem como de veículo para realização de investimentos considerados fraudulentos, posto que desrespeitados os princípios de segurança, rentabilidade, liquidez e solvência, que devem obrigatoriamente reger os investimentos realizados pelos fundos de pensão, na condição de administradores de patrimônio de terceiros, no caso, os participantes dos planos de benefícios de previdência complementar.
Todas as questões levantadas no âmbito da CPI dos Fundos de Pensão, entretanto, convergem para a questão do controle, fiscalização dos fundos de investimento e para a devida imputação da responsabilidade aos diversos atores que participam de sua estruturação. Essa situação emana clara do seguinte trecho do relatório da CPI dos Fundos de Pensão:
"(...)
Corrobora essa tese a análise das autuações lavradas pelo órgão supervisor e fiscalizador das entidades fechadas de previdência complementar, as quais, na maior parte das vezes atingem apenas os dirigentes, membros dos órgãos estatutários e pessoas do quadro das entidades fechadas de previdência complementar.
Mesmo em situações em que se tenha verificado a concorrência de culpa no cometimento de infrações à legislação da previdência complementar, especialmente no que tange a condutas de gestores de fundos de investimentos dos quais a EFPC seja cotistas, o poder de polícia do Estado não os tem alcançado, haja vista serem consideradas pessoas estranhas ao quadro de pessoal daquela (são profissionais que prestam serviços técnicos à entidade, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica contratada), escapando, portanto, de eventual apuração de suas responsabilidades administrativas, o que poderia ser realizado no âmbito do processo administrativo sancionador, disciplinado no Decreto nº 4.942, de 2003.
Também durante o curso dos trabalhos desenvolvidos no âmbito desta Comissão Parlamentar de Inquérito, observou-se que agentes externos (prestadores de serviços, por exemplo) aos quadros das entidades fechadas de previdência complementar, como gestores de fundos exclusivos de investimentos e administradores fiduciários, frequentemente alegaram que a responsabilidade pelos investimentos, em infringência aos princípios mínimos de segurança, rentabilidade, liquidez e solvência, era exclusiva dos dirigentes da EFPC. Estes, por sua vez, buscaram imputar a mesma responsabilidade aos gestores de seus fundos exclusivos de investimentos, como se a responsabilidade de um excluísse a do outro.
(...)"
A decisão de investimentos nos fundos de pensão envolve diversas pessoas, ocupando cargos gerenciais e de dirigentes. Por sua vez, os veículos de investimentos adotados, que são os fundos de investimento, também envolvem uma ampla gama de pessoas físicas e jurídicas prestadoras de serviços. Nessa confluência, cria-se uma confusão de obrigações e, por conseguinte, de responsabilidades, que continuam sem a devida definição e detalhamento, mesmo passada mais de meia década da CPI dos Fundos de Pensão.
Um passo adiante na forma de apuração de responsabilidade de todos aqueles que participam da decisão de investimentos das entidades fechadas de previdência complementar teve início com a Resolução CMN nº 4.661, de 2018 e está alcançando os fundos de investimentos, dentre eles os FIDC e os FIP, com o advento da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 2019) e da Audiência Pública SDM nº 08/20, levada a efeito pela CVM, cujo objetivo é modernizar a regulação dos fundos de investimento brasileiros.
II - A responsabilidade pelos investimentos no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar
Um dos efeitos dos desdobramentos da CPI dos Fundos de Pensão, foi, sem dúvida, uma melhor definição das orbigações daquelas pessoas que participam da decisão de investimentos nas entidades fechadas de previdência complementar, as quais estão estampadas na Resolução CMN nº 4.661, de 2018, especificamente nos artigos 4º e 7º:
"Art. 4º Na aplicação dos recursos dos planos, a EFPC deve:
I - observar os princípios de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez, adequação à natureza de suas obrigações e transparência;
II - exercer suas atividades com boa-fé, lealdade e diligência;
II - zelar por elevados padrões éticos;
IV - adotar práticas que garantam o cumprimento de seu dever fiduciário em relação aos participantes dos planos de benefícios, considerando, inclusive, a política de investimentos estabelecida, observadas as modalidades, segmentos, limites e demais critérios e requisitos estabelecidos nesta Resolução; e
V - executar com diligência a seleção, o acompanhamento e a avaliação de prestadores de serviços relacionados à gestão de ativos.
§1º São considerados responsáveis pelo cumprimento do disposto nesta Resolução, por ação ou omissão, na medida de suas atribuições, as pessoas que participam do processo de análise, de assessoramento e decisório sobre a aplicação dos recursos dos planos da EFPC.
§2º Incluem-se no rol de pessoas previstas no §1º deste artigo, na medida de suas atribuições, os membros de conselho estatutários da EFPC, os procuradores com poderes de gestão, os membros de comitê de investimentos, os consultores e outros profissionais que participem do processo de análise, de assessoramento e decisório sobre a aplicação dos recursos dos planos da entidade, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica contratada.
Art. 7º A EFPC deve adotar regras, procedimentos e controles internos que garantam a observância dos limites, requisitos e demais disposições estabelecidas nesta Resolução, considerando o porte, a complexidade, a modalidade e a forma de gestão de cada plano por ela administrado.
§1ºA EFPC deve definir claramente a separação de responsabilidades e objetivos associados aos mandatados de todos os agentes que participam do processo de análise, avaliação, gerenciamento, assessoramento e decisão sobre a aplicação dos recursos dos planos da entidade, inclusive com a definição de alçadas de cada instância.
§2º A EFPC deve manter registro, por meio digital, de todos os documentos que suportem a tomada de decisão na aplicação dos recursos dos planos, quando se tratar de gestão próprio, de fundo de investimento exclusivo ou de aplicação na qual a EFPC tenha poder decisório sobre sua realização".
Fica claro que a decisão de investimentos nas entidades de previdência complementar deve ter um processo estruturado, do qual restem evidentes as obrigações e responsabilidades de cada pessoa, física ou jurídica, que tenha participado dessa decisão, haja vista que dela podem decorrer gravíssimas consequências para o patrimônio dos planos de benefícios e, por consequência, para seus participantes.
Também é imposto aos dirigentes da entidade fechada de previdência complementar, membros do conselho deliberativo, da diretoria, de comitês de investimentos, o dever de diligência, na seleção, no acompanhamento e na fiscalização dos prestadores de serviços relacionados a gestão dos ativos, inclusive os de gestão dos fundos de investimento, posto que a decisão de contratá-los é tomada por esses dirigentes, que devem sempre adotar uma decisão informada e subsidiada em provas de que se cercaram todas as precauções que devem permear a decisão dos Homem Prudente.
Essa conduta se faz extremamente necessária porque a responsabilidade prevista na Resolução CMN nº 4.661, de 2018 é de natureza subjetiva, sendo apurada na medida das atribuições de cada uma das pessoas que participaram da decisão e da realização dos investimentos, dependendo, portanto, da apuração da culpa, em face de eventual evento danoso.
Para que não se perca a memória, a Resolução CMN nº 4.661, de 2018, traz evidente avanço na definição das obrigações e das responsabilidade das pessoas físicas e jurídicas que participam da decisão de investimentos nos fundos de pensão, já que a Resolução CMN nº 3.792, de 2009, que lhe antecedeu não adentrava nessa definição, aplicando-se, assim, aos casos concretos apenas o disposto no artigo 63[2], da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, cuja redação é bastante genérica.
III - A responsabilidade do administrador os fundos de investimento e dos prestadores de serviços - Lei da Liberdade Econômica.
A estruturação e administração dos fundos de investimentos exige a participação de vários prestadores de serviços, contratados pelo administrador, conforme definido na Instrução Normativa CVM nº 409, de 2014[3]. O administrador de fundos de investimento é a "pessoa jurídica registrada pela CVM para o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários e responsável pela administração do fundo"[4]. Por sua vez, o gestor do fundo de investimentos, também contratado pelo administrador, coloca em prática a aplicação dos recursos em ativos financeiros diversos, de acordo com a modelagem do fundo, assim definidas as suas atividades "pessoa natural ou jurídica autorizada pela CVM para o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários, contratada pelo administrador em nome do fundo para a realizar a gestão profissional de sua carteira"[5].
Pode-se extrair da análise da Instrução CVM nº 555, de 15 de dezembro de 2014, que dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento em conjunto com a Instrução CVM nº 558, de 26 de março de 2015, que dispõe sobre o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários que o administrador e o gestor dos fundos de investimento possuem obrigações de três ordens: "i. Obrigações fiduciárias - ligadas à confiança que o investidor deposita nos prestadores de serviços (administrador e gestor) enquanto seus representantes junto ao mercado e guardião de seus recursos; ii. Obrigações administrativas- ligadas à organização dos negócios e do dia a dia do fundo e como interlocutor dos investidores junto à CVM; e iii. Obrigações de empenho- ligada à credibilidade do administrador e gestor no emprego dos melhores esforços na busca das melhores condições no mercado para o investidor. Obrigações estas mais ligadas atualmente à performance do gestor de recursos".[6]
Ainda que não seja objeto deste trabalho analisar as diversas espécies de fundos de investimento, é relevante consignar que, como já mencionado na introdução, na CPI dos Fundos de Pensão está indicado que as entidades fechadas de previdência complementar investigadas se valeram principalmente de duas espécies de fundos de investimento nas situações objeto de investigação, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), regulados pela Instrução CVM nº 356, de 2001[7] e os Fundos de Investimento em Participações (FIP), regulados pela Instrução CVM nº 578, de 2016[8]. Estas espécies de fundo são veículos de investimento bastante importantes no mercado financeiro e de capitais no Brasil, haja vista que são fontes de financiamento para investimentos estruturados, essenciais ao desenvolvimento de determinados setores da economia dos pais, contando com investidores qualificados como os fundos de pensão.
Os resultados e desdobramentos da CPI dos Fundos de Pensão determinou, contudo, que tais espécies de fundos de investimento fossem abandonadas como alternativas de investimento para as entidades fechadas de previdência complementar, situação indesejável, tanto para essas entidades, que necessitam diversificar ao máximo seus investimentos, quanto para o mercado financeiro e de capitais que perdeu investidores qualificados no relevante segmento de investimentos estruturados, importantes para o desenvolvimento econômico brasileiro.
A apuração da culpa e a imputação de responsabilidades é complexa quando envolvidos diversos atores na relação jurídica, não havendo a correta definição das obrigações de cada qual. Uma das principais questões dos tempos atuais é como alcançar a correta imputação da responsabilidade, inclusive para que seja produzida a justiça. Nos fundos de investimento, a presença do administrador, do gestor e dos diversos prestadores de serviços, faz com que se estabeleça a pulverização de obrigações, sendo que quando existem muitos responsáveis, parece não existir nenhum.
Na definição da responsabilidade civil dos prestadores de serviços dos fundos de investimento, a Lei de Liberdade Econômica - Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 - caminha para um terreno mais sólido, ao introduzir o artigo 1.368 D no Código Civil, tratando especificamente das obrigações dos prestadores de serviços nos fundos de investimentos e de suas limitações:
"Art. 1.368-D. O regulamento do fundo de investimento poderá, observado o disposto na regulamentação a que se refere o § 2º do art. 1.368-C desta Lei, estabelecer:
I - a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas cotas;
II - a limitação da responsabilidade, bem como parâmetros de sua aferição, dos prestadores de serviços do fundo de investimento, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade; e
III - classes de cotas com direitos e obrigações distintos, com possibilidade de constituir patrimônio segregado para cada classe.
§ 1º A adoção da responsabilidade limitada por fundo de investimento constituído sem a limitação de responsabilidade somente abrangerá fatos ocorridos após a respectiva mudança em seu regulamento.
§ 2º A avaliação de responsabilidade dos prestadores de serviço deverá levar sempre em consideração os riscos inerentes às aplicações nos mercados de atuação do fundo de investimento e a natureza de obrigação de meio de seus serviços.
§ 3º O patrimônio segregado referido no inciso III do caput deste artigo só responderá por obrigações vinculadas à classe respectiva, nos termos do regulamento".
Na mesma direção que foi adotada pela Resolução CMN nº 4.661, de 2018, em relação aos responsáveis pela realização dos investimentos dos fundos de pensão, a Lei da Liberdade Econômica explicita que o regulamento dos fundos de investimento deve estabelecer a limitação da responsabilidade dos prestadores de serviços perante o fundo, os parâmetros para a sua aferição e quais os deveres particulares de cada qual, sem solidariedade entre eles. Ainda acrescenta que a avaliação de responsabilidade dos prestadores de serviços deverá considerar os riscos inerentes às aplicações nos mercados de atuação do fundo de investimento e a natureza de obrigação de meio dos serviços. Em suma, as obrigações e as responsabilidades de cada um dos prestadores de serviços devem estar bem definidas.
Visando a devida adaptação às diretivas da Lei de Liberdade Econômica e ao disposto no artigo 1.368 - D do Código Civil, a CVM submeteu a audiência pública uma minuta de resolução que dispõe sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como a prestação de serviços para os fundos, incluindo anexos normativos referentes ao fundos de investimento financeiros e aos fundos de investimento em direitos creditórios - Edital de Audiência Pública SDM nº 08/20 - com prazo para contribuições até 2 de abril de 2021.
Na minuta de resolução está proposto que o protagonismo do fundo passe a ser dividido entre o administrador fiduciário e o gestor da carteira de ativos, que passam a ser denominados, em conjunto, como prestadores de serviços essenciais, responsáveis pela constituição do fundo de investimento e pela elaboração de seu regulamento, competindo ao gestor da carteira de ativos contratar em nome do fundo, os serviços diretamente relacionados às suas atribuições.
Há a sugestão para que a taxa de administração do fundo seja desmembrada entre os prestadores de serviços essenciais (administrador e gestor), de forma a que possa realizar as contratações dos prestadores de serviços diretamente em nome do fundo, sendo que o pagamento de cada prestador de serviços terá que ser individualizado, com maior transparência quanto aos custos e obrigações.
É proposta, outrossim, uma restrição objetiva do dever de fiscalizar os prestadores de serviços, função exercida pelo administrador e pelo gestor, às seguintes hipóteses: (i) o administrador deve fiscalizar a gestão da carteira no que se refere à observância dos limites de exposição e concentração; (ii) o administrador deve fiscalizar a gestão no que tocante à identificação oportuna e precisa de ordens de compra e venda de ativos; (iii) o administrador deve fiscalizar a gestão no que toca ao grupamento e rateio de ordens de compra e venda de ativos; (iv) nas suas respectivas esferas de atuação, o administrador e o gestor devem fiscalizar a observância de vedações previstas na regra por parte dos terceiros por ele contratados; (v) o administrador deve fiscalizar a gestão dos FIF no que diz respeito à negociação de ativos a preços de mercado; (vi) o administrador deve fiscalizar o serviço de custódia de FIF no que tange à verificação da existência de ativos financeiros no exterior; (vii) o administrador deve fiscalizar a gestão no que se refere à observância da política de investimentos e (viii) o administrador deve fiscalizar o serviço de registro de direitos creditórios para o FIDC.
É também proposto que a solidariedade entre os prestadores de serviços se estabeleça nas seguintes hipóteses: (i) caso o serviço seja prestado para a classe de cotas destinada ao público em geral; (ii) contratação, pelo administrador, de serviços de tesouraria, controle e processamento de ativos; (iii) contratação, pelo gestor, do serviços de cogestão da carteira de ativos e (iv) contratação, pelo gestor, do serviço de consultoria especializada para FIDC.
Na minuta de resolução também está proposto que no regulamento dos fundos de investimento sejam estabelecidas as responsabilidades dos prestadores de serviços, os parâmetros para a sua aferição, perante o fundo e entre si, e os deveres particulares de cada um, sem solidariedade, excetuadas as hipóteses mencionadas no parágrafo anterior.
Caminha-se, portanto, para a individualização e definição das obrigações, viabilizando-se a correta imputação de eventual responsabilidade por ato culposo ou doloso que possa causar prejuízos imprevistos aos investidores.
IV - Conclusão
O sentimento de injustiça muitas vezes surge da impossibilidade de reconhecer quem é verdadeiro autor de um determinado ato danoso, de não se saber quem é o culpado. Na apuração da responsabilidade subjetiva, a imputação da responsabilidade é essencial, pois se não se conhece quem estava obrigado a cumprir a obrigação, então não se sabe quem é o responsável pelo seu descumprimento.
Nem mesmo a solidariedade entre todos os possíveis culpados consegue resolver essa questão, pois quanto todos são presumidamente culpados por um ato, começa o chamado "jogo de empurra", ou seja: a melhor defesa é a de transferir a responsabilidade para outrem. É o que ocorre nas ações civis e penais que surgiram da Operação Greenfield, uma infinidade de pessoas físicas e jurídicas envolvidas, todas alegando em defesa própria que o culpado é o outro, enquanto as vítimas aguardam resignadas que seja finalmente descoberto o culpado. Paul Ricoeur, avalia muito bem esse tipo de situação: " D´un autre côté, l´extension dans l´espace et surtout l´allongement dans le temps de la portée de la responsabilité peuvent avoir um effet inverse, dans la mesure où le sujet de la responsabilité devient insaisissable à force d´être multiplié et dilué".[9]
Especialmente por esta razão, é que a definição das obrigações, tanto dos dirigentes das entidades fechadas de previdência complementar, quanto dos prestadores de serviços dos fundos de investimento faz com que a necessária relação entre eles torne-se transparente e segura quanto ao reconhecimento das responsabilidades assumidas por cada qual, levando a possibilidade de que seja adotada a necessária prudência nas decisões, com a devida valoração dos riscos assumidos.
As normas estão caminhando para definição dessas obrigações, como brevemente já demonstrado, mas é preciso, acima de tudo, primeiro que os dirigentes das entidades fechadas de previdência complementar tomem plena consciência de que os investimentos dos recursos garantidores dos planos de benefícios são o centro de suas atividades e que devem ser acompanhados e fiscalizados com rigor, transparência e análise precisa dos riscos envolvidos e segundo que os regulamento dos fundos de investimento sejam claros quanto as obrigações dos prestadores de serviços, de modo que possa ser sempre constatado qualquer desvio de conduta, estacando-se, logo de início, a possibilidade de futuros prejuízos.
Em uma relação jurídica bem definida, as partes envolvidas se sentem mais seguras, sendo que é isso que falta para que os fundos de pensão e os FIDC e os FIP possam novamente estabelecer uma relação saudável e necessária para ambos, já que há uma grade carência dos fundos de pensão por portfólios de investimento diversificados e
[2] Art. 63. Os administradores de entidade, os procuradores com poderes de gestão, os membros de conselhos estatutários, o interventor e o liquidante responderão civilmente pelos danos ou prejuízos que causarem, por ação ou omissão, às entidades de previdência complementar. Parágrafo único. São também responsáveis, na forma do caput, os administradores dos patrocinadores ou instituidores, os atuários, os auditores independentes, os avaliadores de gestão e outros profissionais que prestem serviços técnicos à entidade, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica contratada.
[3] Art. 56. A administração do fundo compreende o conjunto de serviços relacionados direta ou indiretamente ao funcionamento e à manutenção do fundo, que podem ser prestados pelo próprio administrador ou por terceiros por ele contratados, por escrito, em nome do fundo.
§1º O administrador poderá contratar, em nome do fundo, com terceiros devidamente habilitados e autorizados, os seguintes serviços, com a exclusão de quaisquer outros não listados:
I - a gestão da carteira do fundo;
II - a consultoria de investimentos;
III - as atividades de tesouraria, de controle e processamento dos ativos financeiros;
IV - a distribuição de cotas;
V - a escrituração da emissão e resgate de cotas;
VI - custódia de títulos e valores mobiliários e demais ativos financeiros; e VI - custódia de ativos financeiros; e
VII - classificação de risco por agência especializada constituída no País.
(...)
[4] Artigo 2º, inciso I, da Instrução CVM nº 555, de 17 de dezembro de 2014
[5] Artigo 2º, inciso XXX, da Instrução CVM nº 555/2014
[6] DOTTA. Eduardo Montenegro. Responsabilidade civil dos administradores e gestores dos fundos de investimento. São Paulo. Almedina, 2018, p. 117.
[7] Art. 1o A presente Instrução dispõe sobre normas gerais que regem a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de informações de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios - FIDC e de Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios - FICFIDC
I - direitos creditórios: os direitos e títulos representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, e os warrants, contratos e títulos referidos no § 8º do art. 40, desta Instrução;
II - cessão de direitos creditórios: a transferência pelo cedente, credor originário ou não, de seus direitos creditórios para o FIDC, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional;
III - Fundos de Investimento em Direitos Creditórios - FIDC: uma comunhão de recursos que destina parcela preponderante do respectivo patrimônio líqüido para a aplicação em direitos creditórios; (...).
[8] Art. 5º O FIP, constituído sob a forma de condomínio fechado, é uma comunhão de recursos destinada à aquisição de ações, bônus de subscrição, debêntures simples, outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas, bem como títulos e valores mobiliários representativos de participação em sociedades limitadas, que deve participar do processo decisório da sociedade investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão. § 1º O fundo pode realizar adiantamentos para futuro aumento de capital nas companhias abertas ou fechadas que compõem a sua carteira, desde que: I - o fundo possua investimento em ações da companhia na data da realização do referido adiantamento; II - essa possibilidade esteja expressamente prevista no seu regulamento, incluindo o limite do capital subscrito que poderá ser utilizado para a realização de adiantamentos; III - seja vedada qualquer forma de arrependimento do adiantamento por parte do fundo; e IV - o adiantamento seja convertido em aumento de capital da companhia investida em, no máximo, 12 meses. § 2º O investimento do fundo em sociedades limitadas, nos termos do referido no caput, deve observar o disposto no art. 15, inclusive quanto ao limite de receita bruta anual da investida e as disposições transitórias em caso de extrapolação deste limite.
[9] Ricoeur. Paul. Le Cocept de responsabilité. Essai d´analyse sémantique. Esprit. Novembre 1994. Traduçao livre: Por outro lado, a expansão para o espaço e, especialmente, o alongamento no tempo do escopo da responsabilidade pode ter o efeito oposto, pois o sujeito da responsabilidade torna-se evasivo ao ser multiplicado e diluído."