Fomos consultados, em algumas oportunidades, por empresas preocupadas com o resguardo dos direitos reais (direito de superfície, servidão e/ou cessão de direito real de uso) que lhes foram concedidos por proprietários de imóveis já objeto de hipoteca anterior, questionando-nos sobre os riscos de verem seus direitos suprimidos em caso de execução da garantia hipotecária pelo credor hipotecário.
Vale frisar que ambos os direitos reais - a hipoteca e aquele posteriormente concedido ao terceiro - devem estar regularmente constituídos e registrados às margens da respectiva matrícula imobiliária, para que sejam tratados de forma paritária, dentro do raciocínio adiante delineado, mesmo porque o registro imobiliário é condição sine qua nonpara a publicização desses direitos e da sua eficácia perante terceiros, à luz dos dispositivos e princípios legais vigente.
Nesse sentido, as disposições legais atinentes deixam claro o resguardo garantido aos titulares de direitos reais sobre imóveis já objeto de garantia hipotecária vigente. Explica-se:
Considerando-se o inadimplemento da dívida albergada pela garantia hipotecária, não há dúvidas de que o imóvel, quando muito, responde pela referida dívida até o limite de sua avaliação, a ser realizada já durante a execução da dívida.
Nesse ponto, a teor do que consta no art. 1428 do Código Civil, vale destacar que ao credor hipotecário é defeso ficar com o imóvel em caso de inadimplemento da dívida, cabendo-lhe exclusivamente propor a competente ação judicial (geralmente ação de execução) e apontar o imóvel para fins de posterior penhora.
Nesse ínterim, contudo, ciente do inadimplemento da dívida, é plenamente facultado aos titulares dos demais direitos reais sobre o imóvel sub-rogarem-se de pleno direito no lugar do credor hipotecário, pagando a dívida e assim assumindo a garantia da hipoteca, ex vidos arts. 346, II, e 349 do Código Civil:
Destaque-se que tal faculdade independe até mesmo do consentimento do devedor originário, porquanto visa resguardar o terceiro que poderia ser privado de seus direitos sobre o imóvel em caso de alienação forçada do mesmo.
Como se não bastasse, já durante a ação judicial na qual o imóvel seja alvo de penhora, é plena e expressamente facultado ao titular de direito real requerer a adjudicação do referido bem por valor não inferior à avaliação, conforme bem claro nos art. 876, §5º, c/c art. 889, III, do CPC.
Destaque-se, nesse ponto, que ainda quando da interposição da lide executória, deverá o exequente intimar o titular do direito real sobre o imóvel para o resguardo de seus direitos e interesses (v. art. 799, II e V, do CPC)
Dos dispositivos supramencionados extrai-se a imprescindibilidade da prévia cientificação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel acerca da alienação judicial, justamente para que estes possam exercer o seu direito de adjudicação.
Portanto, ainda que não se tenha qualquer conhecimento prévio acerca do inadimplemento da dívida - o que lhe permitiria inclusive o exercício da sub-rogação - o terceiro titular do direito real deve ser previamente cientificado de qualquer alienação forçada do imóvel, oportunidade em que poderá simplesmente depositar em juízo o valor de avaliação do referido bem e, assim adquiri-lo, resguardando por completo os seus direitos vigentes.
Acaso não realizada essa prévia ciência, a alienação do imóvel será absolutamente ineficaz perante o terceiro, conforme bem disposto no art. 804, §§4º e 6º do CPC.
Nessa hipótese (ausência de intimação acerca da alienação do bem), considerando que a alienação é ineficaz perante o titular dos direitos reais, por óbvio significa dizer que tais direitos permanecerão plenamente vigentes na forma contratada, obrigando o terceiro adquirente ao seu integral adimplemento. Assim leciona HUMBERTO TEODORO JÚNIOR:
"O art. 804 do NCPC comina ineficácia para a alienação judicial de bens gravados com direitos reais quando o respectivo titular não houver sido previamente intimado da expropriação. Quer isto dizer que o ato alienatório valerá para o arrematante, mas o direito real se manterá sobre o bem transmitido. Em outros termos: o promissário comprador com contrato registrado conservará o direito real de aquisição; o credor fiduciário não perderá o direito de consolidar a propriedade sobre o bem gravado; o usufrutuário, o usuário e o titular do direito de habitação continuarão com seu direito real sobre o bem alienado; e assim por diante."[1]
E continua, afirmando que nos casos que o terceiro tenha direito de preferência na aquisição do bem, poderá ele posteriormente à alienação judicial (da qual não tenha sido cientificado) depositar o valor da arrematação e haver para si o imóvel:
"Naquelas situações em o terceiro tenha direito de preferência na aquisição do bem submetido à alienação judicial, como no caso do condomínio de bem indivisível, sua intimação é prévia e obrigatória (NCPC, art. 889, II). Faltando esta, não será o caso de anulação do ato expropriatório. Sua preferência, contudo, perdurará em face do arrematante, se depositar o preço, no prazo de cento e oitenta dias, nos termos do art. 504 do Código Civil"[2]
DO EXPOSTO, é fácil concluir:
(A) o imóvel hipotecado, quando muito, responde pela dívida garantida até o limite de sua avaliação, a ser realizada já durante a execução do débito;
(B) O credor hipotecário não pode tomar para si a propriedade do imóvel em caso de inadimplemento de dívida, cabendo-lhe propor a ação judicial competente e posterior penhora do referido bem;
(C) Antes mesmo de qualquer ação judicial e independentemente do consentimento do proprietário do imóvel, em caso de inadimplemento faculta-se ao titular dos direitos reais sub-rogar-se de pleno direito no lugar do credor hipotecário, pagando a dívida e assim assumindo a garantia da hipoteca;
(D) Já durante a ação judicial na qual o imóvel seja alvo de penhora, é plena e expressamente facultado ao titular de direito real requerer a adjudicação do referido bem por valor não inferior à avaliação;
(E) O titular de direito real sobre o imóvel deve ser previamente cientificado da ação judicial e, especialmente, da alienação do imóvel. Caso contrário, a arrematação do bem por terceiro será ineficaz com relação a ele, permanecendo válido, vigente e eficaz, para todos os fins e efeitos, o direito real respectivo.
[1]In Curso de Direito Processual Civil, Vol III, 47ª Edição, Ed. Forense, fl. 590)
[2]Mesma obra, fl. 590.