A incidência do ITBI e a preservação da legalidade tributária: A contribuição do STJ no tema 1113. | Análise
Análise

A incidência do ITBI e a preservação da legalidade tributária: A contribuição do STJ no tema 1113.

Por Guilherme Bortolon Cardoso do escritório Giulio Imbroisi Advogados

20 de May 13h14

Guilherme Bortolon Cardoso: Advogado tributarista com atuação destacada no Espírito Santo. Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e pós-graduando em Direito Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). Sendo integrante do escritório Giulio Imbroisi Advogados Associados.

O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência municipal, tem sido historicamente objeto de intensos debates jurídicos, especialmente quanto à definição da sua base de cálculo. A insegurança jurídica que permeava a atuação de diversos entes municipais, notadamente pela adoção de critérios arbitrários e unilaterais para definição do "valor venal", encontrou recente e relevante delimitação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema 1113 dos Recursos Repetitivos, fixando teses que consolidam o respeito ao princípio da legalidade e aos direitos dos contribuintes.

Nos termos do artigo 38 do Código Tributário Nacional (CTN), a base de cálculo do ITBI é o "valor venal dos bens ou direitos transmitidos". A controvérsia residia na interpretação desse conceito de "valor venal". Em larga medida, os municípios vinham aplicando como base de cálculo valores de referência fixados administrativamente, por meio de tabelas próprias ou mesmo com base nos valores lançados para fins de IPTU.

Essa prática resultava, na maioria das vezes, em exigência de imposto sobre valores superiores ao efetivamente pactuado entre comprador e vendedor, o que representava afronta à realidade econômica da operação e violação aos princípios da capacidade contributiva e da legalidade estrita.

1. O JULGAMENTO DO STJ E AS TESES FIXADAS

A decisão proferida no âmbito do Recurso Especial nº 1.937.821/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, pacificou a interpretação da norma tributária e fixou três importantes teses jurídicas:

A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não sendo admitida a vinculação automática ao valor venal utilizado para o IPTU, que possui finalidade diversa e não pode servir nem como piso para a incidência do ITBI;

O valor declarado pelo contribuinte na escritura pública goza de presunção relativa de veracidade, só podendo ser desconstituído mediante a instauração de processo administrativo fiscal que observe o contraditório e a ampla defesa, conforme preceitua o artigo 148 do CTN;

É vedado ao Município arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com fundamento em valores de referência estabelecidos unilateralmente, sem observância do devido processo legal.

Essas teses têm efeito vinculante para os juízos e tribunais inferiores, conforme estabelece o artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil, e representam importante avanço na consolidação de um sistema tributário mais equilibrado e juridicamente seguro.

2. IMPLICAÇÕES PRÁTICAS E PROTEÇÃO AO CONTRIBUINTE

O reflexo imediato da decisão é a revalorização do princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal. A Administração Tributária, por sua vez, está adstrita aos limites da lei em sua atuação fiscal, não podendo se valer de critérios arbitrários ou presunções absolutas que esvaziem direitos do contribuinte.

Na prática, isso significa que, em uma operação de compra e venda de imóvel no valor de R$ 500.000,00, por exemplo, esse deve ser o montante utilizado para fins de apuração do ITBI, salvo se houver fundados indícios de subavaliação fraudulenta, hipótese que deverá ser objeto de procedimento administrativo regular, com a devida instrução probatória e resguardo das garantias processuais.

Essa nova orientação confere maior previsibilidade e segurança às transações imobiliárias, desestimulando, inclusive, práticas ilícitas anteriormente fomentadas pela insegurança normativa, como a subdeclaração do preço com o intuito de reduzir artificialmente o imposto devido. Além disso, evita o chamado enriquecimento sem causa por parte do ente tributante, uma vez que impede a majoração indevida da base de cálculo sem respaldo legal ou factual.

3. INSTRUMENTOS DE DEFESA DO CONTRIBUINTE

Diante de eventual exigência de ITBI com base em valor de referência municipal, o contribuinte poderá adotar medidas de resistência por vias administrativas ou judiciais, a depender do caso concreto.

Na esfera administrativa, é possível apresentar requerimento fundamentado, instruído com cópia da escritura pública de compra e venda e demais documentos pertinentes, pleiteando a revisão do lançamento e a aplicação do entendimento consolidado pelo STJ. Essa via, além de menos onerosa, tem sido eficaz em diversos municípios que já vêm se adequando à nova orientação jurisprudencial.

Caso não haja êxito na via administrativa, resta ao contribuinte o ajuizamento de ação judicial com vistas à restituição do valor pago indevidamente ou à declaração da inexigibilidade do crédito tributário, com fundamento no artigo 165 do CTN.

Nessas hipóteses, é essencial que a petição inicial esteja acompanhada de prova inequívoca do valor real da transação, bem como da cobrança divergente efetuada pela municipalidade.

4. UM AVANÇO NA CONCRETIZAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL TRIBUTÁRIO

Mais do que uma simples controvérsia sobre base de cálculo, o julgamento do Tema 1113 reflete uma mudança de paradigma na relação entre Fisco e contribuinte, com o reconhecimento, por parte do Poder Judiciário, da necessidade de observância rigorosa aos limites legais e constitucionais da tributação. Trata-se de reafirmação da centralidade dos princípios da legalidade, capacidade contributiva, transparência fiscal e devido processo legal.

Ao impedir que os municípios utilizem valores presumidos de forma unilateral e desvinculada da realidade econômica da operação, o STJ reforça o pacto federativo naquilo que ele tem de mais nobre: o equilíbrio entre competência tributária e proteção dos direitos fundamentais dos contribuintes. O respeito ao valor declarado na escritura pública, como parâmetro legítimo e presumidamente correto, traz maior racionalidade ao sistema, ao mesmo tempo em que desestimula a informalidade e incentiva a regularidade nas transações imobiliárias.

A uniformização da jurisprudência sobre o ITBI representa um avanço substancial no sistema tributário brasileiro. O entendimento fixado pelo STJ no Tema 1113 deve ser observado por todos os entes municipais, sob pena de violação direta à Constituição e ao CTN.

Os contribuintes, por sua vez, devem estar atentos a eventuais exigências fiscais que contrariem esse entendimento e buscar os meios adequados para proteger seus direitos. A correta aplicação da base de cálculo do ITBI não é apenas uma questão técnica: é uma garantia de justiça fiscal, respeito à legalidade e valorização da segurança jurídica nas relações patrimoniais.