Importunação sexual: Reflexões sobre a aplicabilidade mitigada do Acordo de Não Persecução Penal. | Análise
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Importunação sexual: Reflexões sobre a aplicabilidade mitigada do Acordo de Não Persecução Penal.

Por Dr. Matheus Henrique Mendonça

10 de October de 2024 12h18

Sabe-se que com o advento da Lei nº 13.964/2019, o chamado "Pacote  Anticrime", muitas alterações foram bem-vindas no Código de Processo  Penal Brasileiro no intuito de se estabelecer uma Justiça negocial  próxima ao plea bargaining do direito norte americano.

No caso,  com a criação do Acordo de Não Persecução Penal estabelecido pelo art.  28-A do Código de Processo Penal, surgiu a possibilidade de que o  Ministério Público ofereça ao acusado um acordo para que o caso  investigado não se torne um processo penal desde que preenchidos alguns  requisitos formais para a concessão e cumpridas algumas medidas de  natureza cautelar pelo então beneficiado para assegurar que ele não  volte à praticar crimes.

E a questão que tem causado controvérsia  doutrinária seria da possibilidade de aplicação do referido benefício no  crime de importunação sexual, previsto no art. 215-A do Código Penal,  haja vista sua natureza de crime contra a dignidade sexual - que  usualmente implica no emprego de violência, vedando a possibilidade de  concessão.

Ocorre que de uma simples leitura do tipo penal,  entende-se pela possibilidade de aplicação do referido benefício no  crime de importunação sexual, eis que ainda assim é tido como crime  comum - podendo ser cometido por qualquer pessoa e contra qualquer  pessoa, independentemente do gênero e não necessariamente com o emprego  de violência.

O tipo penal trata da prática de ato libidinoso  contra alguém sem a sua anuência, ou seja, sem a concordância, no  intento de satisfazer a própria lascívia e estabelecendo uma pena de 01  (um) a 05 (cinco) anos de reclusão.

Por mais que o cenário  brasileiro seja trágico e coloque a figura das mulheres como principais  vítimas de crimes desta natureza, ainda assim não se poderia vedar a  aplicabilidade do benefício, eis que sua redação não o institui como um  crime de gênero - esses sim vedados pelo inciso IV, do §2º, do art.  28-A.

Novamente, sabe-se que o tipo penal foi criado notoriamente  para buscar punir os rotineiros ataques em transportes públicos sofridos  por mulheres, mas ainda assim a redação do tipo penal não especifica  tal delito como sendo crime de gênero ou contra a mulher em razão do  sexo feminino.

Ainda sobre a redação do tipo penal, abre-se a  reflexão para uma costumeira má-técnica legislativa que muitos tipos  penais enfrentam no Brasil - tópico esse a ser abordado em uma futura  ocasião.

Ponto outro contrário à aplicabilidade do benefício seria  a suposta "violência psicológica" sob a qual o crime é praticado.  Sabendo que o benefício não pode ser concedido no caso de crimes  envolvendo o emprego de violência, tal argumento ganha força  considerando que na grande maioria dos casos há uma certa intimidação  por parte do agressor para com suas vítimas - configurando a chamada  "violência moral".

Sob tal raciocínio a importunação sexual seria  sempre praticada sob violência moral ou psicológica, assim sendo  interpretado como um crime praticado com o emprego de violência e  consequentemente afastando a aplicabilidade do benefício.

Neste  ponto, entendemos ser necessária uma análise pontual do caso para  entender a viabilidade concessão do ANPP, haja vista que também não  necessariamente toda a importunação sexual demande o emprego de tal  violência moral ou psicológica.

Daí que se conclui por uma  aplicabilidade mitigada, demandando uma análise caso à caso para  entender se as circunstâncias do crime permitem ou não a aplicação do  benefício e seus reflexos legais - não sendo um crime de gênero,  portanto aplicável, mas podendo ser utilizado o emprego de violência  moral, vedando a benesse.

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