INTRODUÇÃO
A chamada soberania de vontade, tão apregoada pelo velho brocado pacta sun servanda, embora de valor diluído em todo direito, mesmo no direito privado, tem expressão quase nula nas contratações no campo do direito agrário, tanto são os limites à pura vontade das partes.
Ocorre que com o surgimento do chamado Estado Social de Direito, os interesses privados passam a ser secundários diante de assuntos de importância coletiva, por isso, evidente à submissão do direito de propriedade ao interesse coletivo, de forma que o imóvel rural não pode ser utilizado única e exclusivamente em benefício do proprietário, devendo também preservar e responder a utilidade coletiva a que serve.
Nesse ponto, o artigo 186 da Constituição Federal elenca os requisitos para cumprimento da Função Social da propriedade rural, exigindo-se não apenas a produtividade da área, mas também o respeito ao meio ambiente, ao trabalhador e ao bem estar do proprietário.
Diante de tais exigências, os contratos agrários, como meio de regulamentação das relações entre propriedade e o uso da posse no imóvel rural, desempenham papel fundamental para o atendimento da função social da propriedade, servindo como instrumento para que a devida destinação seja dada ao imóvel, preservando-se o meio ambiente e os direitos dos indivíduos envolvidos na relação propriedade, uso e posse da área rural.
Desse aspecto repousa a importância do estudo proposto, haja vista que os contratos agrários são utilizados nas relações do campo e, portanto, também precisam ter seu emprego voltado ao atendimento da função social do imóvel rural, cumprindo assim o que impõe o art. 1.228, §1° do Código Civil e o artigo 186 da Constituição Federal.
Nesse contexto, o estudo tem por objetivo apresentar a normatização referente aos contratos agrários, propiciando visão e análise das disposições concernentes a função social do imóvel rural, bem como a forma de atendimento dos requisitos descritos no artigo 186 da Constituição Federal por meio dos contratos estabelecidos pela legislação agrarista.
Ao debater o escopo proposto, a pesquisa serve como base aos profissionais da área do direito e ao meio acadêmico, trazendo comentários referentes à legislação existente e também conclusões a respeito da aplicação das normas legais aos contratos agrários.
A metodologia utilizada para realização desse estudo foi a pesquisa bibliográfica, com jurisprudências, doutrinas, bem como normas jurídicas. Portanto, o estudo é uma análise doutrinária e legislativa, objetivando investigar alguns aspectos jurídicos relevantes, relacionados à aplicação dos contratos agrários como meio de cumprimento da função social do imóvel rural.
A interpretação dos dados coletados se deu de forma analítica, resultando na apresentação das informações relevantes para o artigo, a serem expostas em três partes. Primeiramente será apresentado, brevemente, a teoria geral dos contratos agrários, em seguida as espécies de contratos agrários existentes e a demonstração de como os contratos agrários servem ao cumprimento da função social do imóvel rural, por último, as considerações finais a respeito do tema proposto.
1 DOS CONTRATOS AGRÁRIOS
Com a finalidade de regulamentar as relações de uso ou posse temporária do imóvel rural para implementação de atividade agrícola surgiram os denominados contratos agrários.
Para Borges (2012, p. 465), o contrato agrário é "acordo de vontades entre o proprietário ou possuidor do imóvel rural com aquele que pretende temporariamente trabalhar a terra em atividades agrícolas e pastoris, mediante o pagamento de uma renda ou frutos".
Conforme Carvalho (2010, p 394) "os contratos Agrários podem ser definidos, grosso modo, como acordos de vontade, firmados segundo as leis 4.504/1964 (arts. 92 a 96) e 4.947/1966 (arts. 13 a 15) e Decreto 59.566/1966, com a finalidade de resguardar, modificar ou extinguir direitos relativos à exploração do imóvel agrário ou parte dele".
Destaca-se que desde o período colonial brasileiro existe a relação de posse e propriedade do homem com os imóveis rurais, surgindo também os contratos agrários. Todavia, o primeiro diploma legal a introduzir dispositivos especiais aplicados aos prédios rústicos foi o Código Civil de 1.916 (artigos 1.211 a 1215 e artigos 1.410 a 1.423). Até o advento do mesmo o ordenamento jurídico era completamente omisso no tocante à regulamentação das relações jurídicas contratuais relacionadas com as atividades agrárias. A Lei de Terras (1850) silenciou-se a respeito do tema.
Desse modo, as primeiras regras reguladoras dos contratos agrários estão inseridas no Código Civil de 1.916, que estabelecia disposições especiais referentes à parceria agrícola e ao arrendamento rural. No entanto, tal norma observou uma forte influência nitidamente urbanística, desprovida de qualquer preocupação de caráter social, motivo pelo qual dava primazia à liberdade individual, considerando proprietários e parceiros ou arrendatários como se fossem efetivamente iguais.
É possível identificar considerável aperfeiçoamento na regulamentação dos contratos agrários a partir das normas editadas através do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964), momento em que os contratos agrários passaram a ter regulamentação própria, o Código Civil de 1916 deixou de ser aplicado em temas agrários.
Portanto, o Diploma rural subtraiu das partes o que o Código Civil de 1916 tinha de mais peculiar em matéria contratual: a total liberdade de contratar. Nesse aspecto houve mudança de paradigma, pois "a vontade das partes foi substituída pelo que se convencionou chamar de dirigismo estatal" (CARVALHO, 2010, p. 393).
O dirigismo estatal trouxe limitações à vontade das partes na contratação agrária, visando com isso proteger a parte mais fraca na relação contratual e garantir a efetividade na utilização do imóvel rural (produtividade e sustentabilidade).
Consequentemente, os contratos agrários foram retirados do bojo do novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), que entrou em vigor em janeiro do ano de 2003, em função da legislação específica existente (Estatuto da Terra e Regulamento dos Contratos Agrários).
A grande inovação do Código de 2002 refere-se aos contratos em geral e, neste caso, serve também como orientação para os contratos agrários, que trata da inserção do princípio geral da função social do contrato, nos termos do art. 421 do novo Código assim dispõe: "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato". Esse pressuposto já estava contido na Constituição Federal, que dispõe sobre a Função Social dos Contratos em seus artigos 5º, inc. XXIII e 170, inc. III.
Evidente que "a legislação pátria objetiva proteger a função social da propriedade, com relevância, na Constituição de 1988, não apenas em seu artigo 5º, que trata dos direitos individuais, mas também das normas relativas a economia, onde segue o entendimento de grande parte dos ordenamentos mundiais, que elevam a propriedade como um de seus principais bens, fonte de riqueza e segurança para toda a Nação, de onde resulta a sua função social". (COELHO, 2011, P. 66).
Assim, nos contratos agraristas há interesse do Estado na conservação da propriedade rural, por ser uma das maiores riquezas no desenvolvimento econômico do país, devendo, também por isso, ter sua utilização voltada ao interesse coletivo e ao cumprimento da função social imposta não só aos contratos, mas ao próprio imóvel rural.
No contexto do exposto até o momento, o objeto no contrato agrário será sempre o imóvel rural, com a finalidade de seu uso e posse temporária para a implementação da atividade agrícola, atendendo-se ao interesse privado e também coletivo.
Adiante, cabe indicar quais normas e princípios serão incidentes em tal relação, as partes e características desse pacto, assim como as formalidades e obrigações nele incidentes.
1.1 Fundamentos comuns aos contratos agrários
Conforme vista acima, o Código Civil 1916 foi o primeiro diploma legal a se referir aos contratos agrários em seus arts. 1211 a 1215 e arts. 1410 a 1423, muito embora as negociações relativas ao uso e posse temporária das áreas rurais já ocorresse anteriormente em total liberdade de negociação entre as partes.
Em razão da evolução da sociedade e a necessidade atualizar a regulamentação das relações entre os homens que vivem e trabalham no meio rural, além de questões de ordem política e fundiária, com a implementação da reforma agrária e a promoção de uma política agrícola, foi promulgado o Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964), servindo os seus artigos 92 a 96 para regular de forma específica as relações de uso temporário do imóvel rural.
Logo em seguida foi promulgada a Lei 4.947/1966, cujo artigo 13 trata objetivamente dos contratos agrários, fixando seus pressupostos seguindo os princípios do Direito Agrário.
No mesmo ano, o Decreto 59566/1966 tratou especificamente da matéria, sendo por isso conhecido com o Regulamento dos Contratos Agrários, eis que delimitou normas específicas ao arrendamento e parceria rural, bem como aos demais pactos que possam ter relação com o uso, gozo e posse temporária de área rural.
O Código Civil 2002 não se referiu aos contratos agrários, haja vista já existir exaustiva regulamentação específica a esse respeito, no entanto, no que atine ao acordo de vontades entre as partes o mesmo é aplicado às relações agrárias, assim como aos contratos em geral. Destaca-se também a Lei n. 11.443/2007 que modificou os artigos 95 e 96 do Estatuto da Terra.
Desse modo, hoje os contratos agrários encontram-se disciplinados pelo Estatuto da Terra, em seus artigos 92 a 96, cujo espírito é o de conferir estabilidade e justiça ao trabalhador sem terra, através do controle do Poder Público.
Assim, nos contratos agrários, quanto ao acordo de vontades e ao objeto do contrato, aplicam-se as normas de Direito Comum e em relação ao uso e posse temporária da terra, aplicam-se as disposições do Estatuto da Terra e do Regulamento.
Importa salientar que, além das normas acima indicadas, os contratos agrários estarão sempre vinculados as regras contratuais gerais e aos princípios que regem os contratos, como a boa-fé, a liberdade de contratar e a busca do equilíbrio entre as partes.
No que se refere aos princípios, os contratos agrários possuem ainda princípios de incidência específica, conforme: a) Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado; b) Princípio da Função Social do Contrato; c) Princípio da Liberdade de Forma; d)Princípio da Equivalência das Prestações; e) Princípio da Proteção do Hipossuficiente e; e)Princípio da Proteção dos Recursos Naturais.
Dentre esses, destaca-se aquele que equivale ao perfil constitucional do imóvel rural, a função social da propriedade, com seus requisitos descritos no art. 186 da Constituição Federal.
A função social que se quer dar a propriedade rural resulta da combinação dos princípios sociológicos e jurídicos. "Com ela altera-se o sentido do conceito de propriedade e se exclui o homem da relação sujeito de direito. A propriedade é mera relação jurídica e somente por ficção é que se pode dizer que ela exerce função social" (OPTIZ; OPTIZ, 2011, p. 202).
Ademais, conforme preceitua o Código Civil de 2002 em seu artigo 421, a liberdade contratual será exercida no limite da função social do contrato, preceito de ordem pública que serve como meio para assegurar as finalidades e promoção do interesse social na utilização do imóvel rural, assim como a protetividade do hipossuficiente na relação agrária.
1.2 Partes dos contratos agrários
Como todo o ato jurídico, o contrato agrário "tem de ser feito por pessoa capaz, isto é, que possa consentir validamente e que o objeto do acordo seja lícito, sem esquecer a forma prescrita no Estatuto da Terra" (OPTIZ; OPTIZ, 2011, p. 277).
Os contratos agrários tem de um lado o arrendante/outorgante, que é o proprietário, detentor de posse com justo título ou administrador com poderes, podendo ser a pessoa física ou jurídica. Do outro lado, o arrendatário/outorgado aquele que vai exercer atividade agrícola, agroindustrial, extrativista ou mista. Muito embora o arrendatário descrito na legislação seja o trabalhador rural[1], na prática tanto a pessoa física ou jurídica, ou o chefe de família, representando o conjunto familiar, poderão receber, no contrato agrário, imóvel rural com o fim de exercer atividade agrária.
1.3 Características dos contratos agrários
Conforme Marques (2009, p. 179) a "natureza jurídica dos contratos agrários pode ser assim explicada: são contratos bilaterais, onerosos, consensuais e não solenes".
A bilateralidade se dá em razão das obrigações dos contratantes serem recíprocas, interdependentes, de modo que ambos ocupam, simultaneamente, a posição de credor e de devedor.
Da mesma forma, as partes suportam redução patrimonial, todavia a onerosidade bilateral será afastada quanto ao contrato atípico de comodato rural, o que será visto com mais afinco no item 2.2.1 deste estudo.
No que se refere a consensualidade, significa dizer que o simples consentimento das partes forma o contrato. Portanto, para a formação do contrato agrário é exigida a concordância de ambas as partes, o consentimento. Por ser um contrato não solene a concordância pode ser tácita ou expressa, escrita ou verbal.
Dá-se um arrendamento ou parceria rurais tácitos quando alguém usa a terra de outrem, pagando um preço pelo uso ou então dá a espécie produzida a título de aluguel (OPTIZ; OPTIZ, 2011, p. 281). Por força do art. 92 do ET, o arrendamento ou parceria rurais se efetivam por qualquer uma das formas de consentimento, mesmo no que tange à renovação do contrato agrário (art. 95, IV).
A concordância tácita é bastante relevante quando se trata de renovação e prorrogação do contrato, diante do silêncio de uma das partes (§1º art. 22 do Regulamento).
Classificam-se ainda os contratos agrários como: comutativos, pois as partes, respectivamente, procuram obter determinado proveito com o contrato; de trato sucessivo, por que a continuidade da relação se dá através da renovação tácita do feito e, Intuitu Personae, eis que nos termos do art. 8º do Regulamento e art. 13, inciso V, da Lei nº 4.947-66, exige-se a exploração direta e pessoal do outorgante, todavia, a pessoalidade tem maior abrangência concedida pelo parágrafo único art. 26 do Regulamento, que permite a exploração do imóvel pela família do arrendatário no caso de falecimento do mesmo.
1.4 Formalidades dos contratos agrários
Não obstante ser o contrato agrário um pacto não solene, os contratos escritos deverão seguir a forma estabelecida no art. 12 do Regulamento (Decreto n. 59.666/66) e conter indicação do lugar e data da assinatura do contrato, nome completo e endereço dos contratantes, o objeto do contrato (arrendamento ou parceria), tipo de atividade de exploração e destinação do imóvel ou dos bens; bem como a identificação do imóvel e número do seu registro no Cadastro de imóveis rurais, o prazo de duração, preço do arrendamento ou condições de partilha, além das Cláusulas obrigatórias que apresenta-se adiante.
Das formalidades indicadas destaca-se a necessidade da descrição da destinação e tipo de atividade a ser explorada no imóvel objeto do contrato, bem como a necessidade de identificação registral e cadastral junto ao Registro Imóveis[2].
Destaca-se que os contratos agrários podem ser escritos ou verbais, conforme anteriormente mencionado, ou ainda tácitos, permitindo sua comprovação por meio de prova testemunhal, conforme descrito no art. 92, §8º do Estatuto da Terra: "Os contratos agrários, qualquer que seja o seu valor e sua forma poderão ser provados por testemunhas", também nesses termos o art. 11 do Regulamento.
Nesse aspecto Coelho (2008, p. 31) afirma que os arts. 92 do Estatuto da Terra e 11 do Decreto 59.566 caracterizam o informalismo. "O primeiro admite a avença tácita, o segundo a forma verbal. Sem dúvida, os contratos agrários não podem ter necessidade de formalismo, pois, via de regra as partes são homens afeitos às lides campeiras e poucos versados nas letras da lei".
Assim, o informalismo protege exatamente essas partes e estão em perfeita consonância com os dispositivos agraristas, note-se que o artigo 14 do Decreto 59566/66 permite prova testemunhal qualquer que seja o valor do contrato agrário a contrário sensu do art. 402 do Código de Processo Civil.
1.5 Cláusulas obrigatórias nos contratos agrários
Embora os contratos agrários, de acordo com nossa legislação, possam ser verbais, a dispensa do formalismo do documento escrito, resulta da adequação a realidade social vivida no meio rural, e, de acordo com o artigo 11 do Decreto 59.566/66, nos contratos verbais presume-se como ajustadas as cláusulas obrigatórias estabelecidas logo adiante no artigo 13 do referido Decreto regulador.
Dessa forma, o artigo 12 do Decreto 59566/66 que enumera onze cláusulas obrigatórias. Da mesma forma, já o art. 13 traz uma série de vedações legais. Também o Estatuto da Terra, art. 95 inc. XI, elenca cláusulas obrigatórias no intuito de formar um sistema de proteção que suprima a exploração das partes e promova a função social da propriedade pelo racional aproveitamento do solo.
Portanto, de acordo com nossa legislação, as cláusulas obrigatórias nos contratos agrários[3] são as que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados, mencionadas também no Art. 13, III e V da Lei 4.947/66.
Tai regras são obrigatórias e se violadas tornam o contrato nulo de pleno direito e sem nenhum efeito, motivo pelo qual, mesmo na dispensa do formalismo - documento escrito - presumem-se ajustadas as cláusulas obrigatórias (art. 11 do Regulamento).
Importa frisar que as cláusulas obrigatórias possuem dupla finalidade: proteger social e economicamente a parte mais fraca e assegurar conservação do Meio Ambiente. Funciona com uma imposição social com relação à proteção da terra, sendo irrenunciáveis.
Assim, os contratos agrários estão subordinados a cláusulas inarredáveis, obrigando-se a conservar os recursos naturais, proteger social e economicamente a parte hipossuficiente, inclusive impedindo a renúncia dos direitos e vantagens legalmente definidos, bem como proibindo a prática de usos e costumes predatórios da economia agrícola.
2 ESPÉCIES DE CONTRATOS AGRÁRIOS
Primeiramente, é importante diferenciar contratos agrários dos contratos agrícolas, já que estes se referem à locação de serviços agropecuários (mão de obra) mediante o recebimento de salários e aqueles são considerados como espécie do todo obrigacional havido no campo, referem-se, principalmente, a contratações com a finalidade de utilização do imóvel rural.
Assim, o objeto dos contratos agrários é o imóvel rural e seu fim é o uso ou posse temporária da terra, para a implementação de atividade agrícola ou pecuária, sendo o contrato agrário, portanto, "o instrumento através do qual o homem rural, dedicado à terra - mas sem terra -, pode cultivá-la diretamente, nela desenvolvendo sua empresa"(FERRETTO, 2009, p.04).
O contrato agrário é o gênero e "consiste no acordo de uma ou mais pessoas, para a entrega ou cessão a outra ou outras, por tempo determinado ou não, do uso ou posse temporária da terra, para nela ser exercida atividade de exploração agrícola ou pecuária. As espécies deverão conter os elementos do gênero, mas as peculiaridades que lhe são próprias, para que se diferenciem". (OPTIZ, O.; OPTIZ, 2011, p. 365).
Acrescenta-se que, além do imóvel rural, também pode ser objeto do contrato agrário o gado, isoladamente, nos termos do arts. 4° e 5°, inc. II do Regulamento, que se refere a parceria rural.
Nesse contexto, a legislação tipificou duas modalidades de contratos agrários, todavia, os inominados pelo legislador, também surgem no âmbito agrário, conforme se verá a seguir.
2.1 Contratos Típicos
Também chamado de nominados, são o arrendamento e a parceria rural, conforme art. 1° do Regulamento, estabelecidos conforme a lei.
Assim, sob a rubrica "Do uso ou da Posse temporária de terra", o Estatuto da Terra discorre sobre os contratos agrários típicos nos artigos 92 ao 96, fixando os traços marcantes do arrendamento e da parceria rural, sendo ulterior delineamento feito através do Decreto n. 59.566/1966.
O art. 92 do Estatuto da Terra define o Arrendamento Rural: "É o contrato agrário no qual há cessão onerosa de uso e gozo de imóvel rural, no todo ou em parte, para fim de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante retribuição ou aluguel, observados os limites estabelecidos em lei."
A Parceria Rural é descrita no art. 96, inc. VI do Estatuto da Terra:
"Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, dos riscos. (Redação alterada pela Lei 11.443/07)"
Muito embora discorrer especificamente sobre as modalidades dos contratos típicos não seja objeto do presente estudo, é importante frisar que estão previstos prazos mínimos para os contratos agrários no artigo 13, II, alínea a do Decreto 5956/66 e nos arts. 95, inc. XI, alínea b e 96, inc. V, alínea b do Estatuto da Terra: de três anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura temporária e ou de pecuária de pequeno e médio porte; ou em todos os casos de parceria; de cinco anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal; de sete anos nos casos em que ocorra atividade de exploração florestal (Art. 13, alínea a do Decreto 59566/66).
Os prazos mínimos existem não só para proteção do agricultor, dando-lhe segurança e estabilidade, mas também para proteção do solo e do seu potencial produtivo, conforme bem frisa Paulo Tormim Borges (2012, p. 89) ao afirma que o prazo mínimo é estabelecido principalmente para evitar o mau uso da terra.
2.2 Contratos Atípicos
A liberdade de contratar, as transformações sociais e a evolução das relações particulares fazem com que as normas reguladoras permitam a elaboração de esquemas contratuais diversos das convenções nominais, de forma que construções contratuais lícitas, ainda que não contemplados pelo legislador, sejam também permitidas no universo dos contratos agrários.
Decorrentes dessa liberdade de contratar e em vista da própria autonomia de vontade das partes, surgem os contratos agrários atípicos ou inominados, onde, "sem infringir normas legais, pela necessidade das partes contratantes e das peculiaridades de cada situação, resultam ajustes não descritos pelo legislador, e que, podem resultar da própria inércia do legislador" (COELHO, 2011, p. 83).
Nas palavras de Paulo Tormin Borges (2012, p. 73): "Além do arrendamento rural e da parceria rural, contratos agrários nominados, poderá haver outros, inominados, os quais, embora se afastem dos dois modelos antes enfocados, só o podem fazer nos elementos acidentais, pois as normas de observância obrigatória não podem ser marginalizadas pelas partes, sob qualquer colorido".
Nesse contexto o art. 39 do Decreto n. 59.566/66, que regulamenta a parte relativa aos contratos agrários disciplinados pelo Estatuto da Terra e pela Lei n. 4.497/66, prevê a possibilidade de serem celebrados outros contratos com modalidade diversa do arrendamento e da parceria, com observância das mesmas regras aplicáveis a estes contratos, conforme as condições estabelecidas pelo art. 38 do Regulamento.
Desse modo, tais contratos são descritos pela doutrina como contratos agrários atípicos ou inominados e deles pouco se detém a doutrina e a jurisprudência. Sobre o assunto Lutz Coelho (2011, p. 85) assim leciona: "Como se sabe, os contratos se originam das relações pessoais, e são ilimitados, e dependendo da região do nosso extenso país, de Norte a Sul, vamos encontrar inúmeros tipos contratuais no meio rural, que merecem guarida e solução adequada, em conformidade as regras do Direito agrário".
Nesse ponto, impossível descrever as inúmeras e inesgotáveis modalidades de contratos atípicos existentes no campo agrário, todavia, nesse estudo identificaram-se algumas modalidades de contratos inominados ou atípicos.
O comodato rural, configurado como contrato gratuito, e também intuitu personae, pois há um favorecimento temporário ao comodatário que recebe a coisa objeto do empréstimo, e que exercerá a posse direta sobre o bem, embora de forma precária, pois deverá restituir no prazo avençado ou exigido, mantendo o comodante na posse indireta.
O Leasing Agrário, onde um agente financeiro viabiliza o acesso ao imóvel rural facilitando os recursos financeiros para futura aquisição da propriedade.
Também é contrato agrário atípico o Contrato de Pastoreio ou de Invernagem, prática comum na região sul do Brasil, assim como na Argentina e no Uruguai, celebrado entre pecuaristas, tendo como objetivo determinada área de campo, geralmente de caráter verbal e de pouca duração, utilizado em situações emergenciais, para atender necessidades prementes e momentâneas do criador, seja por excesso de lotação em campo, seja em razão de seca ou estiagem prolongada, que determinam, pelo menos enquanto durarem tais situações, a utilização de outra área, em que haja sobra de pastos.
Já no estado de Mato Grosso e também em Mato Grosso do Sul, destaca-se o Contrato do Fica, sendo prática costumeira e reconhecida por toda a comunidade e seus partícipes. Resume-se a uma transação de gado por meio de um documento, chamado de Fica, semelhante ao contrato de depósito, sendo que os animais ficam em poder do emitente por motivos variados - falta de espaço, destinação da área para outros fins - sem finalidade específica de engorda.
Ainda é comum em todo o Brasil, de norte a sul, o Contrato do Roçado, que consiste na entrega por período entre safras da propriedade rural para que a parte que a recebe possa usar a terra e ao término de seu uso entrega-la limpa e preparada para a próxima lavoura a ser feita pelo proprietário. Assim, a retribuição pelo uso da terra é a sua entrega em condições para a próxima lavoura, sendo seu período estipulado por quantidade de safras de determinada cultura.
3 OS CONTRATOS AGRÁRIOS NO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL RURAL
3.1 Função Social nos Contratos Agrários
Ao discorrer sobre os princípios basilares dos contratos agrários, a função social da propriedade rural se apresenta como o maior deles, presente no ordenamento jurídico brasileiro como fundamento para a justa e igualitária utilização do imóvel rural.
Em breve histórico da evolução da função social da propriedade no direito brasileiro José Fernando Lutz Coelho (2011, p. 24), destaca que até a independência regeu-se o Brasil pela legislação portuguesa corporificada nas Ordenações Manoelinas, Afonsinas e Filipinas. A primeira legislação pátria independente surge em 1824 com a Constituição Imperial, outorgada por D. Pedro I. Em seu artigo 179, inc. XXII, sob inspiração liberal, consagrava que "É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude". Embora se permitisse a desapropriação por bem público, não se pode inferir que se houvesse aí contemplado qualquer homenagem à uma função social.
Conforme Paulo Torminn Borges (2012, p. 2) a "primeira Constituição Republicana, em 1891, estava dominada pelo mesmo fervor individualista na concepção do direito de propriedade".
Os mesmos princípios foram mantidos no texto de 1937, art. 122, n. 14, e 143, e na Lei Constitucional n. 5, de 1942. A Constituição de 1946, francamente voltada a contrariar o anterior período de exceção, procurou condicionar o exercício da propriedade ao bem estar social e a preconizar a justa distribuição da propriedade com igualdade de oportunidades para todos (art. 141, § 16 e 147).
Já as Constituições de 1967 e 1969 devem-se à inserção da função social da propriedade, e como condicionante da propriedade. Na primeira art. 150, § 22 e 157 e parágrafos, e na segunda, art. 153, § 22, e 161.
Já a Constituição de 1988 dedicou diversos dispositivos à disciplina da propriedade e da sua função social, dentre os quais pode-se enumerar os artigos: 5º, inc. XXIV a XXX, 170, II e III, 176, 177, 178, 182, 182, 183, 184, 185, 186, 191 e 222.
Na análise da Carta Magna verifica-se que o art. 5º nos incisos XXII e XXIII traz os princípios basilares da propriedade, o primeiro garantindo-a, o segundo atrelando-a a função social. Da função social da propriedade interessa especialmente o art. 5º, inc. XXII e XIII, 170, II e III e 186.
O inciso XXII do art. 5º afirma que: "é garantido o direito da propriedade". O inc. XXIII afirma que "a propriedade atenderá sua função social".
O art. 170, dando início ao capítulo I, do Título VII, Da Ordem Social e econômica prescreve: "Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] II - propriedade privada; III - função social da propriedade [...]".
O art. 186, por seu turno, elenca os requisitos da função social da propriedade rural de forma clara, in verbis:
"Art. 186 - A Função Social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I- Aproveitamento racional adequado. II- Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. III- Observância das disposições que regulam as relações de trabalho. VI- Exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores."
Diante de tal conceituação resta evidente que é pela atividade rural e não pelo título que o homem conquistará o direito de propriedade sobre a terra, nota-se uma conjugação complexa de requisitos na construção da função social da propriedade, de tal modo que a propriedade rural passa, então, a ser vista como um elemento de transformação social.
É importante observar que não se está negando o direito de propriedade, apenas se está introduzindo um interesse preponderante, que corresponde ao interesse da coletividade, em busca de que a propriedade seja um mecanismo de justiça social. Busca-se assim a conciliação do modelo econômico capitalista com uma política social que almeje a reduzir desigualdades e promover a dignidade humana, enquanto princípios e fins da Constituição e norteadores da ação estatal. (COELHO, 2011, P.28).
Conforme lembra Paulo Tormim Borges (2012, p. 09) é preciso um "proprietário que faça a terra produzir como mãe dadivosa, mas sem exaurir, sem esgotar, porque as gerações futuras também querem tê-la produtiva".
Também o Estatuto da Terra discorre sobre a função social do imóvel rural, em tal diploma legal colocam-se em destaque os artigos 2º caput e seu parágrafo 2º, alínea b, bem como os arts. 12 e 13 da Lei 4504/64. Diz o art. 2º caput: art. 2º: "É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionado pela sua função social, na forma prevista nesta Lei".
O parágrafo 2º, alínea b, reza que dentre os deveres do poder público está o de zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social [...].
O artigo 12, na Seção II, traz em seu caput que "à propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na Constituição Federal e caracterizado nesta lei. O art. 13, por fim, determina que o poder público promoverá a gradativa extinção das formas de ocupação e de exploração da terra que contrariem sua função social".
Nesse ponto cumpre destacar as considerações de Coelho (2011, p. 29) sobre a função social no Estatuto da Terra: "Estabeleceu-se franca opção pela função social da propriedade configurando-se uma das primeiras manifestações de ruptura do privatismo individualista no sistema positivo nacional, que, sem dúvida, influenciou toda a discussão seguinte que redundou na CF/88, [...], na medida em que o Estatuto Terra representou uma das primeiras manifestações concretas do solidarismo jurídico".
Nesse contexto, a função social municia também os contratos agrários, o Decreto Lei n. 59566/66 confirmou a necessidade de que tais contratos fossem aplicados com a finalidade de garantir a correta e eficiente utilização da área rural.
Os contratos agrários são, portanto, meio indireto para que o Estado possa atingir os objetivos do princípio geral da função social da propriedade.
Ressalta-se que, não se fala aqui dos contratos agrários e sua função social no sentido de apenas garantir a existência de uma atividade produtiva no imóvel rural, a função social da propriedade é um princípio maior, sob o qual se compreendem diversos fins, nos termos do art. 186 da Constituição Federal.
Portanto, não basta tornar a terra produtiva, ou distribuí-la garantindo o acesso à terra, além disso é preciso tutelar as relações que tenham por objeto o solo, garantindo proteção às partes menos favorecidas, a proteção ambiental, o uso racional dos recursos, a proteção e resguardo das normas trabalhistas, porque no cumprimento de todos esses objetivos é que se assegura a efetividade da função social da propriedade.
Diante dessa complexidade, foi elaborado o Estatuto da Terra e editado o Decreto 59.566/66, que não se limitaram a dispositivos gerais no que concerne à função social do imóvel rural, indo adiante dentro da disciplina dos contratos agrários, cientes da imperiosa necessidade de disciplina especial nessa espécie contratual.
Essa especialidade, caracterizada pela permanente presença de um caráter protetivo e publicístico ressalta em diversos pontos como no informalismo, prazos mínimos, cláusulas obrigatórias, redações legais, direito de preferência, dentre outros pontos (COELHO, 2011, p. 30).
O informalismo, a possibilidade de produção de prova testemunhal, as cláusulas obrigatórias, a previsão de prazos mínimos, existem não só para proteção do agricultor, dando-lhe segurança e estabilidade, mas também para proteção do solo e do seu potencial produtivo, bem como dos recursos naturais. Tal caráter publicístico também se faz sentir em cláusulas obrigatórias que limitam a liberdade contratual no direito agrário.
Não bastasse, muitos outros dispositivos referentes aos contratos agrários remetem-se a função social. Pode-se citar, brevemente, as normas dizendo respeito às obrigações dos contratantes, preço, obediência a regulamentos administrativos, direito de preferência, extinção dos contratos e outros[4].
Assim, na disciplina dos contratos agrários, vislumbra-se direta ou indiretamente, forte influência da busca de uma efetivação da função social da propriedade conforme a orientação do artigo 186 da Constituição Federal e do próprio Estatuto da Terra.
Todavia, Carvalho (2010, p. 397) adverte que alguns autores contestam a propalada dimensão protecionista da legislação supramencionada, entendendo que a disciplina dos contratos agrários não se coaduna com a busca da justiça social nem com o acesso do trabalhador à propriedade da terra, vez que mantém o rurícola preso a sistemas arcaicos de dominação sob nova roupagem.
3.2 Normas Aplicáveis aos Contratos Agrários para Garantia da Função Social
Nos contratos agrários, ainda que a posse ou uso temporário da terra seja exercida por qualquer outra modalidade contratual, diversa dos contratos de arrendamento ou parceria rural, serão observadas pelo proprietário do imóvel as mesmas regras aplicáveis a arrendatários e parceiros[5].
Do texto Regulamentar conclui-se que a exploração da terra, a que se sujeita a lei especial, somente é assim considerada a que seja adequada a permitir ao arrendatário ou parceiro o pleno gozo dos benefícios nela previstos e quando realizada de forma eficiente e correta.
Nesse sentido Paulo Tormim Borges (2012, p. 71) ao discorrer sobre os contratos agrários em geral afirma que, "sejam contratos agrários nominados, sejam contratos agrários inominados, reger-se-ão pelos textos legais pertinentes a matéria, conforme expressamente dispões o art. 2° do Regulamento n.. 59.566 de 1966".
Na análise da teoria geral dos contratos típicos e atípicos celebrados no campo, Álvaro Villaça Azevedo (2004, p. 134), destaca com veemência que a importância do assunto é indiscutível, e que vem defendendo desde 1965, a necessidade de uma regulamentação, para que os contratos atípicos sejam mencionados na lei, por meio de um tratamento genérico de princípios, orientando a sua formação, limitando a autonomia da vontade e por efeito, evitando o enriquecimento indevido.
No entanto, ausente tal regulamentação específica, a doutrina e a jurisprudência tentam construir a mais correta forma de interpretação e aplicação dos contratos atípicos em âmbito agrário.
Segundo Benedito Ferreira Marques (2009, p. 179) o art. 39 do Regulamento prevê a possibilidade de existirem outros contratos - que seriam ou inominados ou atípicos - aos quais se aplicam as mesmas regras estabelecidas para os contratos agrários típicos. O autor destaca: "importa é que se verifique o uso ou a posse temporária da terra".
Também a lei n. 4.947/66 aplica as regras agraristas para quaisquer contratos que tenham por objeto a atividade agrária, assim, as partes aproveitam-se das normas legais supletivas ou facultativas e, quanto ao mais, submetem-se ao império das normas obrigatórias, voltadas principalmente ao cumprimento da função social do imóvel rural.
Além da divergência quanto aos contratos em que é aplicado o Regulamento ou apenas o Estatuto, parte da doutrina e, principalmente, a jurisprudência entendem que os contratos agrários, quando atípicos, devem respeito apenas as regras gerais Código Civil e aos princípios contratuais. Como se vê dos seguintes julgados:
"PARCERIA RURAL. Aviário. Contrato atípico. Abusividade. - O contrato celebrado entre a companhia de alimentos e o pequeno produtor rural para a instalação de um aviário destinado à engorda de frangos para o abate, com recíprocas obrigações de fornecimento de serviços e produtos, é um contrato atípico, mas nem por isso excluído de revisão judicial à luz da legislação agrária e dos dispositivos constitucionais que protegem a atividade rural. - Caso em que as instâncias ordinárias, examinando a prova, inclusive pericial, concluíram pela inexistência de abusividade, seja na celebração, seja na execução do contrato e na fixação do preço final do produto. Incidência das Súmulas 5 e 7/STJ. Recurso não conhecido. (STJ, REsp 171989/PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 13/10/98)."
"CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES. CONTRATO DE PARCERIA SUINÍCOLA. CRIAÇÃO E ENGORDA DE SUÍNOS. PARCEIRO-CRIADOR PRETENDENDO RECEBER DIFERENÇAS DE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. IMPOSSIBILIDADE. CONTRATO ATÍPICO. INAPLICABILIDADE DO ESTATUTO DA TERRA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL. CONTRATO DE ADESÃO NÃO CARACTERIZADO. PARTICIPAÇÃO DAS PARTES NOS RENDIMENTOS DA AVENÇA. ABUSIVIDADE AFASTADA. RESCISÃO CONTRATUAL. NOTIFICAÇÃO HÁBIL. LUCROS CESSANTES INDEVIDOS. DANO MORAL. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. INEXISTÊNCIA DE ABALO PSÍQUICO. INVESTIMENTOS NO IMÓVEL. OBRIGAÇÃO PRÓPRIA DA ATIVIDADE. BENFEITORIAS INTEGRANTES DO BEM DO PARCEIRO-CRIADOR. ACRÉSCIMO DO VALOR DE VENDA. RECURSO DESPROVIDO. A parceria suinícola ajustada entre as partes induz contrato atípico, celebrado com plena liberdade na regulamentação das relações jurídicas, sem qualquer subordinação à disciplina dos modelos legais, devendo ser interpretada à luz do Código Civil. A parceria suinícola não configura contrato de adesão, sobretudo porque a produção de suínos não depende de parceria com empresa beneficiadora dos produtos suinícolas e os contratantes não são obrigados a anuir às cláusulas contratuais propostas por determinada empresa, prevalecendo, assim, a autonomia da vontade das partes. [...] (TJ-SC - AC: 126134 SC 2005.012613-4, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data de Julgamento: 28/09/2009)."
Seguindo tal entendimento Optiz e Optiz (2011, p. 366) entendem que "embora os outros contratos sejam agrários, ficam fora da incidência do Estatuto da Terra e do Regulamento".
A Jurisprudência se rebate entre as inúmeras lides que lhe são apresentadas envolvendo este tema. A solução adequada no caso concreto é decorrência direta da aplicação das normas agrárias ou do Código Civil. Desta forma, existem diversas demandas em que uma parte procura munir-se da legislação agrarista, afirmando que esta seria aplicável ao contrato em litígio. A outra parte, todavia, defende-se argumentando que o contrato celebrado teria natureza civil e por ser um contrato agrário atípico, não há nenhuma regulamentação específica sobre o mesmo.
O entendimento dos Tribunais[6] muitas vezes é diverso da leitura do próprio regulamento, com ênfase ao disposto em seu artigo 2º, onde indica que todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do Decreto 59.566, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos, também nesse sentido o art.13, inciso IV da Lei nº 4.947-66.
No entanto, há que se verificar que ao tratar-se de um contrato agrário atípico, esse se aproveita das normas gerais civilistas, principalmente quando utiliza uma figura contratual já lá tipificada, como por exemplo, nos contratos de comodato rural, nesse ponto ocorre a flexibilização na interpretação do rigor da normas agraristas.
Outra característica importante dos contratos agrários refere-se ao meio de prova usado para a comprovação de sua existência. O contrato agrário pode ser provado exclusivamente com testemunhas, independentemente do valor alcançado. Já os contratos de natureza civil, a prova testemunhal só será admitida se o contrato não ultrapassar o valor do décuplo do maior salário mínimo vigente no país.
Diante dessas diferenças, é de fundamental importância saber definir quando um contrato, em um eventual conflito entre as partes, será regulado pelo Estatuto da Terra e o Decreto 59.566/66 ou exclusivamente pelo Código Civil, pois as normas e princípios aplicados não só serão diferentes, mas também serão, muitas vezes, antagônicas.
Nesse aspecto, não há uma clara definição do que seja um contrato agrário em que o Estatuto da Terra será aplicado e, consequentemente, quando serão aplicados os princípios exclusivos do Direito Agrário e suas normas de ordem pública.
Desta análise, percebe-se que é perfeitamente possível existirem contratos agrários no meio urbano e contratos civilistas no meio rural. Desta forma, cabe ao operador do direito observar se a atividade agrária está presente na destinação principal do negócio jurídico, ou seja, se a prestação do contrato tem cunho agrário específico ou se é uma simples relação de direito civil.
A aplicação das clausulas obrigatórias dos contratos agrários também merece destaque, o autor Coelho (2008, p. 40), ao discorrer sobre as cláusulas obrigatórias considera a sua aplicação também necessária aos contratos atípicos, conforme se vê: pela natureza dos contratos rurais, algumas cláusulas devem ser sempre observadas, tanto nos contratos nominados, quanto nos inominados.
Desse modo, deve constar no contrato agrário a obrigatoriedade de conservar os recursos naturais da terra, bem como a proteção social e econômica daquele que realiza a atividade rural, sendo, portanto, também nos contratos inominados, irrenunciáveis os direitos e vantagens definidos em lei ao não proprietário do imóvel rural, bem como a proibição de usos e costumes predatórios a economia agrícola. A aplicação dessas normas aos contratos agrários é o efeito de haver uma supremacia do direito público, onde prevalece o interesse social em detrimento do interesse particular.
Nesse aspecto, a liberdade contratual existe ao se permitir a contratação em forma não estabelecida em lei (atipicidade do contrato) e não pode ser vista como meio para que a exploração do imóvel rural possa se dar sem o devido cumprimento da função social daquela propriedade.
Revela notar ainda que, expressamente, o Estatuto da Terra manda aplicar o Código Civil, para a solução dos casos omissos (art. 92, §9°). E o Regulamento, em seu art. 88, dispõe que, "no que forem omissas as Leis n. 4.504/64, 4.947/66 e o presente regulamento aplicar-se-ão as disposições do CC, no que couber".
Diante dessas regras, cabe ao intérprete e aplicador da lei buscar atingir a função social do imóvel rural, de modo a não ficar impedido de dar solução a qualquer caso ou hipóteses de contratos agrários.
Assim, a legislação agrarista será sempre incidente nos contratos de uso e posse temporária da terra, principalmente, os princípios que regem os contratos agrários, a lei 4.567/66 e o Estatuto da Terra. O regulamento é voltado principalmente aos casos em que o cessionário é pessoa física ou conjunto familiar com uso pessoal e direto na terra, conforme dispõe da leitura do próprio diploma, no entanto, aplicar-se-á aos contratos atípicos quando a lide posta assim o exigir.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse estudo, viu-se que os contratos agrários devem ter em mira os princípios do Direito Agrário que buscam promover a justiça social, mediante o cumprimento da função social da propriedade agrária, além dos princípios da autonomia da vontade, pacta sunt servanda e boa-fé.
Desse modo, mesmo com a maior liberdade contratual das partes envolvidas nos contratos agrários, dadas as imposições legais, não é possível dizer que tais pactos possam deixar de lado as normas agraristas, ainda que atípicos, muito embora a doutrina tenha divergências nesse sentido e os Tribunais se manifestem de forma contrária ao posicionamento adotado no presente estudo.
Como demonstrado, restava evidenciada a imperiosa necessidade da aplicação de uma legislação específica aos contratos agrários, voltada para os problemas agrários e, por conseguinte, para os graves problemas sociais que integram o contexto da atividade rural no Brasil.
A força estatal, diante de sua posição proeminente no Direito Agrário, é que será capaz de construir e propiciar o alcance da função social do imóvel rural, todavia, a regulamentação dos instrumentos particulares que possam atuar em tal intuito também deve ser aplicada para garantir a utilização do imóvel rural com respeito aos requisitos do art. 186 da Constituição Federal.
Por isso, com a aplicação das normas e princípios agraristas aos contratos busca-se uma harmonia, um equilíbrio entre o interesse individual e o coletivo, em observância, principalmente, as cláusulas obrigatórias aos contratos agrários.
Algumas áreas do direito possuem institutos e dão margem à relações nas quais sobreleva a presença dos valores sociais, haja vista o interesse, direto ou indireto, de caráter público que então se verifica, entre essas, o Direito Agrário, permeado pela prevalência de valores sociais, tendo como base a propriedade do solo e a produção agropecuária, ambas demandando a presença de interesse público.
A função social da propriedade rural é um conceito complexo que não está relacionado exclusivamente à produtividade, mas também ao trabalho e à proteção do meio ambiente e do potencial produtivo do solo[7].
O Estatuto da Terra e o decreto que regulamenta os contratos agrários constituíram experiências pioneiras na introdução de valores sociais no direito nacional, motivo pelo qual os contratos agrários constituem relações jurídicas de natureza privada nas quais, porém, verifica-se uma forte proteção aos interesses públicos. Desse modo, sem os pactos agrários perderem o caráter privado, demandam intervenção de disciplina publicística, o que representa um novo enfoque nas relações privadas dessa espécie e um critério orientador para o julgador, que não pode deixar de lado a aplicação das normas agraristas.
Conclui-se que da correta compreensão da função social da propriedade depende, indubitavelmente, a atuação do aplicador do direito, qualquer que seja a atividade a ser desenvolvida e a espécie de contrato firmado, sendo que independente da norma aplicada em relação ao contrato que envolve o imóvel rural, agrarista ou civilista, é o respeito à função social daquele imóvel a medida que se impõe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do direito agrário. 11. ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2012.
CARVALHO. Edson Ferreira. Manual didático de direito agrário. Curitiba: Juruá, 2010.
COELHO, José Fernando Lutz. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista. 1. ed. do ano de 2006, 2. reimpr. Curitiba: Juruá, 2011.
________. Contratos agrários de arrendamento & parceria rural no mercosul. Curitiba: Juruá, 2008.
FERRETTO, Vilson. Contratos agrários: aspectos polêmicos. São Paulo: Saraiva, 2009.
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito agrário brasileiro. 8. ed. rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2009.
OPTIZ, Oswaldo. OPTIZ, Silvia. Contratos agrários no estatuto da terra. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1974.
_______. Curso completo de direito agrário. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2011.
[1] Entende-se que o arrendatário é o que exerce o cultivo direto e pessoal, a exploração direta na qual o proprietário ou arrendatário ou parceiro, e seu conjunto familiar, residindo no imóvel e vivendo em mútua dependência, desempenham a atividade agrária e utilizem assalariados em número que não ultrapassa o número de membros ativos daquele conjunto.
[2] Art. 13 da Lei 4.947/1966 e art. 43, inc. III do Estatuto da Terra; para saber mais sobre o registro e controle dos contratos agrários ver Carvalho (2010, p. 404).
[3]Condições enumeradas no art. 13 do Regulamento, nos arts. 93 a 96 do Estatuto da Terra e no art. 13 da Lei 4.947-66: I-conservação dos recursos naturais; II-estipulação dos prazos mínimos; III - observância de disposições do Código Florestal; IV- exigência de práticas agrícolas; V- fixação do preço do arrendamento; VI - fixação das condições de partilha dos frutos, produtos ou lucros havidos na parceria; VII- observância de normas dirigidas à renovação ou prorrogação dos contratos; VIII- observância de normas condizentes às causas de extinção ou rescisão contratual; IX- observância de normas determinantes do direito e das formas de indenização quanto à benfeitorias realizadas e quanto aos danos substanciais causados pelo parceiro-outorgante; X - observância de normas de proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados (...); XI - observância de normas pertinentes ao direito e oportunidade de dispor dos frutos ou produtos repartidos na forma indicada pelo art. 96, V, f, do Estatuto da Terra.
[4]Com o presente artigo nao pretende-se esgotar o conteúdo referente aos contratos agrários, motivo pelo qual nao se discorrerá especificamente sobre todos os aspectos em relação ao referido assunto.
[5] Art. 39 do Regulamento: Quando o uso ou posse temporária da terra for exercido por qualquer outra modalidade contratual, diversa dos contratos de Arrendamento e Parceria, serão observadas pelo proprietário do imóvel as mesmas regras aplicáveis à arrendatários e parceiros, e, em especial a condição estabelecida no art. 38 supra.
[6] Cita-se, por exemplo, decisão no Agravo de Instrumento nº. 70001937853, julgado em 22/03/2001 na 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
[7]A proteção ambiental que encontrava acolhida em dispositivos esparsos de diversas normas agrarias é hoje uma realidade consagrada em leis específicas, podendo-se falar de um direito agroambiental.