Resumo: 1 INTRODUÇÃO. 2 TABELAMENTO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS TRABALHISTAS. 3 AS ACÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO NO STF. 4 CONTROLE DIFUSO E INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE: A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO SOBRE O TEMA. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.
1. INTRODUÇÃO
A reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017) inseriu na CLT o artigo 223-A e seguintes, que disciplinam o dano extrapatrimonial na seara trabalhista. Merece destaque o artigo 223-G, sobre quantificação indenizatória. Além dos critérios estabelecidos no caput para arbitramento da indenização pelo Magistrado, o §1º fixou parâmetros quantitativos mínimos e máximos, vinculados ao salário contratual ofendido.
Esse dispositivo é alvo de críticas, notadamente em virtude do princípio da reparação integral (restitutio in integrum), estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002 (artigos 5º, inciso X, e 944, respectivamente).
No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), foram propostas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5870, 6050, 6069 e 6082[3], as três últimas pendentes de julgamento. Diversos Tribunais Regionais do Trabalho[4](TRT) já julgaram Incidentes de Arguição de Inconstitucionalidade sobre o tema.
[1] Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Professor titular de Direito do Trabalho da USP (aposentado). Membro e presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e Presidente da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho. Coordenador do GETRAB-USP. Advogado sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.
[2] Mestre e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com estágio de doutoramento na Fordham University School of Law. Professora do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisadora do GETRAB-USP. Advogada sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.
[3] A ADI 5870 foi proposta em 21/12/2017, pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA, e julgada extinta, sem resolução de mérito, em razão da sua prejudicialidade por perda superveniente do objeto (caducidade da MP 808/2017). Com a extinção da ADI 5870, a ANAMATRA propôs a ADI 6050, em 19/12/2018. A ADI 6069 foi proposta em 05/02/2019, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB. A ADI 6082 foi proposta em 25/02/2019, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CNTI.
[4] Por ocasião da elaboração do presente artigo, foram identificados Incidentes de Arguição de Inconstitucionalidade sobre o tema nos TRTs da 2º, 3º, 4ª, 8ª e 23ª Regiões.
Diante disso, o presente artigo - elaborado em homenagem em Excelentíssimo Ministro Alexandre Agra Belmonte - propõe-se a discutir o controle de constitucionalidade do art. 223-G, §1º, da CLT.
O Ministro Alexandre é um jurista renomado no âmbito acadêmico como professor, conferencista e escritor, além de magistrado de carreira, na condição de ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Antes de seu ingresso na magistratura, foi advogado e professor de Direito Civil, o que lhe rendeu grande diferencial no diálogo com o Direito do Trabalho, sendo autor de diversas obras nesse sentido. Aliás, para enfrentar o tema desse artigo, é obrigatória a consulta às obras do homenageado. Trata-se de homenagem merecida e oportuna. Muito nos honra o convite para dela participar. Cumprimentamos também a coordenadora desse livro, a advogada Cristina Capanema, esposa do Ministro Alexandre.
2. TABELAMENTO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS TRABALHISTAS
Ocorrido um dano na esfera extrapatrimonial, e não havendo conciliação entre as partes sobre sua reparação, há dois possíveis sistemas de quantificação indenizatória: o sistema aberto ou de compensação por arbitramento judicial e o sistema fechado ou de compensação tarifada ou legal.
Alexandre Agra Belmonte explica: "por arbitramento judicial, quando fica ao prudente arbítrio do juiz a fixação da indenização; tarifário, quando a própria lei fica ou estabelece limite máximo para a fixação do valor compensatório devido pela ofensa"[5].
No âmbito civil, o ordenamento jurídico brasileiro optou pelo sistema aberto. Conforme se verifica a partir dos artigos 944, 945, 948, 949, 953 e 954, do Código Civil, o legislador não fixou valores nem estabeleceu limitações. Restringiu-se a fixar "cláusulas gerais orientadoras da fixação do dano moral em pecúnia" [6].
Na esfera trabalhista, por outro lado, a CLT se afastou do sistema civilista e parametrizou a indenização moral. Em vigor desde novembro de 2017, a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) acrescentou à CLT o título II-A, para regular a questão dos danos extrapatrimoniais trabalhistas.
[5] BELMONTE, Alexandre Agra. Danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho: identificação das ofensas extrapatrimoniais morais e existenciais e sua quantificação. 3. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022. p. 378.
[6] Idem. p. 379.
O novel artigo 223-A afasta a aplicação dos dispositivos civilistas em matéria de "danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho", que passam a ser regidos exclusivamente pela norma trabalhista[7].
[7] Vale notar, contudo, que o art. 8º, §1º, da CLT, determina que "o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho". Com base na Teoria do Diálogo das Fontes, Alexandre Agra Belmonte defende que o princípio da restitutio in integrum, previsto no art. 944, caput, do Código Civil, deve nortear a interpretação dos dispositivos celetistas sobre o tema. (Idem. p. 390.)
Os artigos 223-B a 223-D reconhecem que tanto pessoas físicas, quanto jurídicas, podem ser vítimas de dano extrapatrimonial: honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde, lazer e integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física; imagem, marca, nome, segredo empresarial e sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.
Os novos dispositivos permitem expressamente que a reparação por danos extrapatrimoniais seja cumulada com indenização por danos materiais, decorrentes de um mesmo ato lesivo - em que pese tal possibilidade seja corolário lógico, vez que se tratam de danos distintos, ainda que oriundos de um mesmo fato.
O artigo 223-G estabelece parâmetros para quantificação indenizatória pela Justiça do Trabalho. Ao apreciar o pedido, o juiz deverá observar: a natureza do bem jurídico tutelado; a intensidade do sofrimento ou da humilhação; a possibilidade de superação física ou psicológica; os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; a extensão e duração dos efeitos da ofensa; as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; o grau de dolo ou culpa; a ocorrência de retratação espontânea; o esforço efetivo para minimizar a ofensa; o perdão, ainda que tácito; a situação social e econômica das partes envolvidas; o grau de publicidade da ofensa.
Esses aspectos para ponderação da métrica indenizatória não trazem grande novidade. Correspondem, em maior ou menor grau, àquilo que já vinha sendo considerado pela jurisprudência (tanto civil como trabalhista).
Se o pedido for julgado procedente, a indenização seguirá os seguintes parâmetros: até três vezes o último salário contratual do ofendido, para ofensas de natureza leve; até cinco vezes o último salário contratual do ofendido, para ofensas de natureza média; até vinte vezes o último salário contratual do ofendido, para ofensas de natureza grave; até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido, para ofensas de natureza gravíssima. Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com base no salário contratual do ofensor. Na hipótese de reincidência entre partes idênticas, o valor da indenização poderá ser fixado no dobro dos parâmetros acima.
Este tabelamento é objeto de críticas, especialmente no que tange à (in)constitucionalidade da fixação prévia, em lei ordinária, de tetos para os valores indenizatórios. Sebastião Geraldo de Oliveira aponta:
Não se deve perder de vista que tanto a indenização por danos morais (art. 5º, incisos V e X) quanto a reparação dos danos decorrentes de acidente do trabalho (art. 7º, XXVIII) têm suporte na Constituição da República, pelo que não pode a lei ordinária limitar o alcance de preceitos de hierarquia superior, devidamente sedimentados na cultura jurídica brasileira, mormente quando o faz de forma discriminatória exclusivamente para um segmento social, no caso, os trabalhadores atingidos. Se o trabalho é um dos fundamentos da República (art. 1º, IV), se a ordem econômica deve estar apoiada na valorização do trabalho (art. 170) e a ordem social tem como base o primado do trabalho (art. 193), não pode a lei ordinária reduzir a hierarquia axiológica impressa na Lei Maior, nem introduzir normas restritivas exclusivamente para a categoria dos trabalhadores, em verdadeira ruptura com a essência do sistema, colocando o direito do trabalhador em degrau inferior ao dos demais cidadãos.[8]
Vale notar que o Código Civil de 2002, ao disciplinar a reparação de danos materiais e morais, consagra o princípio da reparação integral (restitutio in integrum): "a indenização mede-se pela extensão do dano" (art. 944, caput).
Isso porque, conforme assevera Clayton Reis, "o estabelecimento de valores que sejam incompatíveis com a dimensão de todas as lesões vivenciadas pela vítima não possui o desejado efeito indenizatório"[9].
Não bastasse isso, ao vincular os parâmetros indenizatórios ao salário do ofendido, o dispositivo celetista pode levar a situações de iniquidade, nas quais trabalhadores, vítimas de um mesmo fato, venham a receber indenizações significativamente discrepantes. Ou, em sentido inverso, trabalhadores que causem à empresa um mesmo dano poderão ter que pagar indenizações igualmente incongruentes.
Diante disso, logo após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, foi publicada a Medida Provisória (MP) nº 808/2017, que alterou o critério adotado para tabelamento dos danos extrapatrimoniais: em vez de basear-se no salário contratual do ofendido, a MP atrelou os parâmetros indenizatórios ao valor do teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
[8] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 10. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 288-289.
[9] REIS, Clayton. Os novos rumos da indenização por dano moral. Forense: 2002. p. 225.
Com isso, afastou uma das críticas mais contundentes ao tabelamento, a inequidade. Mas, ainda assim, insistiu a MP em erro, na medida em que, nas palavras de Eroulths Cortiano Junior e André Luiz Arnt Ramos, "o estabelecimento de faixas, vinculadas a benefícios previdenciários, continua limitando o que não pode ter limite pré-estabelecido"[10]. Assim, mesmo na vigência da MP nº 808, permaneceram em voga as discussões quanto à (in)constitucionalidade do tabelamento indenizatório celetista.
Quando a medida provisória perdeu vigência, no dia 23 de abril de 2018, restaurou-se o texto original do §1º, do artigo 223-G, da CLT, dado pela Lei nº 13.467/2017. Com isso, voltou à cena o mesmo desconforto.
É bem verdade que a indenização extrapatrimonial tem por finalidade compensar a lesão à honra, subjetiva ou objetiva[11], e a dor sofrida. Sendo assim, pessoas com condição econômica mais elevada e acostumadas a certos prazeres que o dinheiro proporciona, exigem indenização em valores mais representativos para encontrar, de fato, o equilíbrio da compensação compatível à dor sofrida. De outro vértice, pessoas com condições econômicas mais modestas podem encontrar satisfação apta a compensar a dor sofrida mesmo com indenização de menor valor.
Mesmo raciocínio se aplica quando a vítima é pessoa jurídica. A compensação de uma mesma lesão à honra objetiva de uma microempresa, com atuação regional, ou de uma grande empresa, conhecida nacionalmente, implicará valores indenizatórios distintos, que sequer guardam relação com o valor do salário recebido pelo ofensor.
José Affonso Dallegrave Neto assevera que:
A jurisprudência vem firmando posição no sentido de que a fixação do dano moral colima compensar a vítima - considerando, para tanto, a sua condição econômica - e ao mesmo tempo prevenir a reincidência do ato ilícito - levando-se em conta, para tanto, a condição econômica do agente.[12]
[10] CORTIANO JUNIOR, Eroulths; RAMOS, André Arnt. Dano moral nas relações de trabalho: a limitação das hipóteses de sua ocorrência e a tarifação da indenização pela reforma trabalhista. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 7, n. 2, 2018. Disponível em: <http://civilistica.com/dano-moral-nas-relacoes-de-trabalho/>. Acesso em: 25 fev. 2019. p. 17.
[11] Para pessoas jurídicas, vale apenas o conceito de honra objetiva.
[12] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 564.
Apesar disso, ao fixar limite indenizatório e, pior, ao vinculá-lo expressamente ao salário contratual recebido pelo ofendido/ofensor, a lei retira do Juízo o poder de modular os valores indenizatórios ao caso concreto e cria potenciais situações de iniquidade, como ensinam Eroulths Cortiano Jr. e André Arnt Ramos:
Diversas inconsistências, já numa primeira mirada, saltam aos olhos. Em primeiro lugar, uma discriminação contra a atividade jurisdicional e interpretativa, na medida em que a imposição de faixas de indenização conforme o grau da natureza da lesão (§ 1o do art. 223-G) destoa dos standards de avaliação do dano (incisos do art. 223-G). Em segundo lugar porque um mesmo fato poderá gerar indenização em valores distintos. Em terceiro lugar porque a reparação de danos no Direito do Trabalho terá limites, o que não ocorre no Direito Civil[13].
Pense-se na situação hipotética em que dois empregados, colegas de trabalho, são vítimas fatais de um mesmo acidente de trabalho. Considere-se, exemplificativamente, que o salário contratual de um deles fosse de R$ 2.000,00; do outro, R$ 10.000,00. Considere-se, ainda, que a lesão seja considerada de natureza gravíssima, arbitrando o juiz indenização equivalente a cinquenta vezes o salário contratual do ofendido. Se ambos os trabalhadores perderam suas vidas em circunstâncias idênticas, será justo considerar que a indenização de um deles seja de R$ 100.000,00, enquanto a do outro, de R$ 500.000,00?
Por mais que se possa argumentar que os valores indenizatórios não deveriam necessariamente ser os mesmos, dadas as condições econômicas de cada uma das vítimas, difícil é sustentar que tamanha discrepância de valores seja justa.
Não bastasse, com a fixação dos parâmetros de quantificação das indenizações, restringiu-se a possibilidade de arbitramento de valores que atendam ao caráter punitivo-pedagógico das indenizações.
Por isso mesmo, autores como Alexandre Agra Belmonte defendem que os critérios quantitativos estabelecidos pelo art. 223-G, §1º, da CLT, configuram parâmetros indenizatórios, em vez de tetos:
Em nossa compreensão, o tarifamento constante da lei deve ser compreendido como meramente persuasivo e portanto superável por fundamentação que demonstre a necessidade de fixação em valor maior em relação ao limite sugerido. [14]
[13] CORTIANO JR., Eroulths; RAMOS, André Arnt. Op. cit. p. 17-18.
[14] BELMONTE, Alexandre Agra. Op. cit. p. 391.
Outros países, a exemplo de Itália e Alemanha, utilizam-se de tabelamento como forma de nortear e uniformizar a jurisprudência, mas sempre ressalvando a possibilidade de o juiz julgar de forma diversa, mediante motivação.
Segundo Giuseppe Ludovico, muitos tribunais italianos elaboraram tabelas de indenização por danos extrapatrimoniais, com a intenção de promover tratamento igualitário entre as vítimas. É assegurada ao juiz, contudo, a possibilidade de desviar-se dos valores previstos, quando necessário para garantir a devida personalização da indenização" [15]. Esclarece o autor:
É importante ressaltar que a utilização das tabelas não tem valor cogente da lei, representando simplesmente uma tarifação elaborada pelos juízes mesmos no âmbito do próprio poder equitativo de modo a garantir a necessária uniformidade de critérios de avaliação. [...] os juízes devem aplicar estas tabelas, salvo no caso em que as circunstâncias particulares da causa imponham, com adequada motivação, a aplicação de critérios alternativos."[16]
Na Alemanha, de forma semelhante, há "tabelas de compensação para dor e sofrimento" (Schmerzensgeldtabellen). Trata-se de coletâneas sistemáticas de jurisprudência, que apresentam decisões judiciais que indicam o prejuízo sofrido, o montante indenizatório atribuído e os critérios que o tribunal teve em conta nessa avaliação.
Para Sabine Wuensch, embora essas tabelas tenham origem privada - não há um documento oficial - uma pesquisa entre juízes demonstrou que 95% deles usam o Schmerzensgeldtabellen ao decidir sobre danos extrapatrimoniais[17].
[15] LUDOVICO, Giuseppe. Danos não patrimoniais (direito italiano). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Pedro Paulo Teixeira Manus e Suely Gitelman (coord. de tomo). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/387/edicao-1/danos-nao-patrimoniais-%28direito-italiano%29>. Acesso em: 16 dez 2022.
[16] LUDOVICO, Giuseppe. Op. cit.
[17] WUENSCH, Sabine. Non-Pecuniary Damages in the Age of Personality Rights: A Search for a Fair and Reasonable Framework Comparing the German and Italian Legal System (September 23, 2009). Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2368191> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2368191>. Acesso em: 16 dez 2022.
Para a autora citada, ainda, "essas tabelas são não apenas um instrumento para um melhor e mais rápido funcionamento do sistema judicial, mas também contribuem para garantir igualdade de tratamento e transparência das decisões judiciais". Mas, pondera: "os Schmerzensgeldtabellen não podem limitar o juiz em sua discricionariedade, no entanto, ele terá que motivar precisamente sempre que quiser divergir de decisões em casos semelhantes" (tradução livre[18]).
Levando-se em conta todos esses aspectos, e considerando-se o disposto no art. 223-G, da CLT, foram propostas no Supremo Tribunal Federal as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5870, 6050, 6069 e 6082[19]. É o que se passa a analisar.
3. AS ACÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO NO STF
As ADIs 6050, 6069 e 6082, propostas pela ANAMATRA, Conselho Federal da OAB e CNTI, foram apensadas para julgamento conjunto, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Encontram-se sob judice os artigos 223-A e 223-G, §§ 1º e 2º, da CLT.
Em síntese, as partes autoras alegam que os dispositivos elencados violam os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), não discriminação (art. 3º), igualdade de tratamento (art. 5º, caput), reparação integral do dano (art. 5º, incisos V e X), proteção do trabalhador (art. 6º, caput), não retrocesso trabalhista (art. 7º, incisos XXII e XXVIII), independência funcional e livre convencimento do juiz (art. 93, inciso IX), bem como os artigos 170, caput, inciso VI e 225, caput, §3º, todos da Constituição Federal.
Especialmente em relação ao tabelamento indenizatório - objeto da presente análise, o principal argumento adotado nas ADIs consiste no fato de que a lei poderia apenas oferecer um parâmetro às indenizações, não um limite. Isso porque, conforme afirmou o Ministro Cezar Peluso no RE 447.584 (que discutiu a constitucionalidade da tarifação indenizatória prevista na Lei de Imprensa), "toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República".
[18] Redação original: "Thus the Schmerzensgeldtabellen are not only a tool for a better, faster functioning of the judicial system, but contribute also to guarantee equal treatment and transparency of court decisions. Of course, […] the Schmerzensgeldtabellen can not limit the judge in its discretion, however, he will have to motivate precisely whenever he wants to diverge from decisions in similar cases". WUENSCH, Sabine. Op cit.
[19] A ADI 5870 foi proposta em 21/12/2017, pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA, e julgada extinta, sem resolução de mérito, em razão da sua prejudicialidade por perda superveniente do objeto (caducidade da MP 808/2017). Com a extinção da ADI 5870, a ANAMATRApropôs a ADI 6050, em 19/12/2018. A ADI 6069 foi proposta em 05/02/2019, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB. A ADI 6082 foi proposta em 25/02/2019, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CNTI.
O julgamento das ADIs teve início em 21/10/2021, quando o Plenário do STF julgou prejudicada, por perda superveniente de objeto, a ADI 5870. No dia 27/10/2021, o Relator proferiu seu voto de mérito.
Quanto ao tabelamento, o Min. Gilmar Mendes apontou forte sinalização da jurisprudência no sentido da impossibilidade de se tarifar o dano moral mediante modelo que substitua, integralmente, o arbitramento judicial por um arbitramento legislativo. Todavia, ressaltou que tal cenário não equivale à proibição de métodos que auxiliam a fixação do dano extrapatrimonial.
Nessa seara, afastou as alegações de inconstitucionalidade da utilização, pelo magistrado, dos critérios de quantificação dos danos extrapatrimoniais em matéria trabalhista.
Contudo, conferiu interpretação conforme à Constituição ao artigo 223-G, da CLT, para que seus critérios sejam utilizados como parâmetro de definição do quantum reparatório, e não como teto.
Diante de tal interpretação, o magistrado poderá ultrapassar, diante das especificidades do caso concreto e de forma fundamentada, os limites previstos do art. 223-G, §1º e incisos.
Após o voto do relator, o julgamento foi suspenso em razão de pedido de vista do Min. Nunes Marques e, por ocasião da elaboração do presente texto, ainda não havia sido retomado.
4. CONTROLE DIFUSO E INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE: A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO SOBRE O TEMA
Quando o presente texto foi elaborado, cinco Tribunais Regionais do Trabalho já haviam julgado Incidentes de Arguição de Inconstitucionalidade sobre o tabelamento das indenizações por danos extrapatrimoniais: são eles os TRTs da 2º, 3º, 4ª, 8ª e 23ª Regiões. A seguir, serão analisados, de forma breve, cada um desses cinco acórdãos.
4.1. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região
Em novembro de 2021, foi publicado acórdão proferido pelo TRT da 2ª Região no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 1004752-21.2020.5.02.0000[20].
Por maioria de votos, o TRT declarou, em controle difuso e incidental, a inconstitucionalidade dos incisos I a IV, do parágrafo 1º, do art. 223-G, da CLT.
De acordo com o entendimento prevalecente, a limitação da reparação por danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88), da isonomia (art. 5º, caput da CF/88) e da reparação integral (art. 5º, V e X, e art. 7º, XXVIII, ambos da CF/88).
O acórdão menciona os artigos 51 e 52, da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) - que previam o tabelamento das indenizações por danos morais decorrentes da responsabilidade civil do jornalista profissional e da empresa midiática, limitando-as em números de salários-mínimos - e lembra que o STJ[21]e o STF[22]já decidiram que tais dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal.
4.2. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
O acórdão proferido pelo Tribunal Pleno do TRT da 3ª Região, no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0011521-69.2019.5.03.0000, foi publicado em julho de 2020[23]. Também por maioria de votos, o TRT declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º a 3º, do art. 223-G, da CLT.
[20] Ementa: "INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO E INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. TARIFAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS PREVISTA NOS INCISOS I A IV DO § 1º DO ART. 223-G DA CLT, INTRODUZIDO PELA LEI Nº 13.467/17. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE. A limitação da reparação por danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88), da isonomia (art. 5º, caput da CF/88) e da reparação integral (art. 5º, V e X e art. 7º, XXVIII, ambos da CF/88), impondo-se, em respeito ao princípio da supremacia da Constituição Federal, a declaração em controle difuso e incidental de inconstitucionalidade dos incisos I a IV do parágrafo 1º do artigo 223-G da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/17, por incompatibilidade material com o texto constitucional." (TRT-2; ArgInc 1004752-21.2020.5.02.0000; Tribunal Pleno; Relator: Des. Jomar Luz de Vassimon Freitas; Julgamento em 13/10/2021; Data de publicação: 05/11/2021).
[21] Para o STJ, essa tarifação não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, conforme Súmula nº 281: "A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa".
[22] No mesmo sentido entendeu o STF no RE 447.584/RJ, de relatoria do Min. Cezar Peluso, julgado em 2007, e na ADPF 130/DF, de relatoria do Min. Ayres Britto, julgado em 2009.
[23] Ementa: "INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 223-G, E §§ 1ª a 3º, DA CAPUT CLT, ACRESCENTADO PELA LEI Nº 13.467/17. TABELAMENTO. ARTS. 1º, INCISO III, E 5º, CAPUT E INCISOS V E X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DIREITOS FUNDAMENTAIS À REPARAÇÃO INTEGRAL E À ISONOMIA. São inconstitucionais os §§ 1º a 3º do art. 223-G da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/17, pois instituíram o tabelamento das indenizações por danos morais com valores máximos a partir do salário recebido pela vítima, o que constitui violação do princípio basilar da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à reparação integral dos danos extrapatrimoniais e à isonomia, previstos nos arts. 1º, III, e 5º, caput e incisos V e X, da
Constituição da República." (TRT-3; ArgInc 0011521-69.2019.5.03.0000; Tribunal Pleno; Relator: Des. Sebastião Geraldo de Oliveira; Julgamento em 09/07/2020; Data de publicação: 16/07/2020).
No acórdão, o Tribunal destacou que a exposição de motivos do Projeto de Lei (PL) nº 6.787/2016 na Câmara dos Deputados - que resultou na Lei nº 13.467/2017 - justificou o art. 223-G na "necessidade de fixar limites para as indenizações por danos morais", inspirado pelo PL nº 150/1999. O PL 150 estabelecia três níveis de ofensas (leve, média e grave) para fins de fixação do valor da indenização. Após aprovação no Senado, foi enviado à Câmara Federal (PL nº 7.124/2002) e arquivado, porque a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por unanimidade, considerou o tabelamento do dano moral inconstitucional.
O TRT-3 considerou, ainda, que ao vedar a cumulação de indenizações por danos extrapatrimoniais, o art. 223-G instituiu uma "uma indenização complessiva para reparar vários danos", contrariando, inclusive, a Súmula 387 do STJ[24]. O acórdão assim dispôs:
Assim, se a mesma ofensa atingir bens jurídicos extrapatrimoniais distintos da vítima, por exemplo, atingir levemente a imagem, gravemente a orientação sexual e de forma média a saúde, só caberá a fixação de uma indenização, pelo que algumas lesões ficarão sem reparação. Esta limitação deve ser reputada inconstitucional porque, além de contrariar o princípio da reparação integral, viola a previsão do art. 5º, XXXV, da Constituição da República, que prevê: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
Quanto ao tabelamento, em si, o acórdão o considerou inconstitucional por violação aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88), da isonomia (art. 3º, IV, e art. 5º, caput da CF/88) e da reparação integral (art. 5º, V e X, da CF/88).
Invocou, ainda, a Súmula 281, do STJ, e as decisões proferidas pelo STF no RE 447.584 e ADPF 130, segundo as quais a tarifação de danos morais previstas na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
[24] STJ, Súmula 387. "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral."
4.3. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região
O acórdão proferido pelo Tribunal Pleno do TRT da 4ª Região, no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0021089-94.2016.5.04.0030, foi publicado em julho de 2020[25]. Neste caso, por unanimidade, o TRT declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 1º, do art. 223-G, da CLT.
Adotou a argumentação já exposta por órgão fracionário do Tribunal e considerou que referido dispositivo viola frontalmente o direito à igualdade, caracterizando discriminação ao trabalhador com base em sua remuneração contratual.
Asseverou, ainda, que a inovação legislativa implica inaceitável desigualdade entre as indenizações deferidas em processos que tramitam na Justiça do Trabalho e aqueles que tramitam perante a Justiça Comum.
Destacou, por fim, a já mencionada decisão do STF a respeito da não recepção, pela CF/88, da tarifação do dano moral prevista na Lei nº 5.260/67 (Lei de Imprensa).
4.4. Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Em setembro de 2020, foi publicado acórdão proferido pelo Tribunal Pleno do TRT da 8ª Região, no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0000514-08.2020.5.08.0000[26]. Por maioria de votos, o TRT declarou inconstitucional o parágrafo 1º, incisos I a IV, do art. 223-G, da CLT.
A inconstitucionalidade do tabelamento da reparação de danos foi declarada em razão de ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), da isonomia (art. 5º, caput, CF/88), da reparação integral de danos (art. 5º, V e X, CF/88) e da proteção do trabalhador contra acidentes de trabalho (art. 7º, XXVIII, CF/88).
[25]Ementa: "DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. CRITÉRIOS PARA A FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PARÁGRAFO 1º DO ARTIGO 223-G da CLT. É inconstitucional o parágrafo 1º do artigo 223-G consolidado, inserido na CLT pela Lei nº 13.467/2017, já que ao preestabelecer o valor da indenização de acordo com o patamar salarial do empregado, indicando o salário contratual como único critério de arbitramento do valor da reparação, caracteriza inegável discriminação e afronta o direito à igualdade ao tratar desigualmente trabalhadores. Violação aos artigos 5º, caput, e 3º, IV, ambos da Constituição Federal de 1988, que se tem por configurada." (TRT- 4; 0021089-94.2016.5.04.0030; Tribunal Pleno; Relator: Des. Lais Helena Jaeger Nicotti; Julgamento em 29/06/2020; Data de publicação: 01/07/2020).
[26] Ementa: "CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. ART. 223- G, § 1º, I A IV, DA CLT. LIMITAÇÃO PARA O ARBITRAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. INCONSTITUCIONALIDADE. O sistema de tarifação do dano moral nas relações de trabalho estabelecido no §1º, I a IV, do art. 223-G da CLT é inconstitucional ao impor limites injustificados à fixação judicial da indenização por dano moral àquele que sofreu o dano, impedindo a sua reparação integral, gerando ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, bem como aos princípios da isonomia e da reparação integral dos danos garantidos na Carta Magna em vigor, em patente ofensa ao art. 5º, V e X, da CR /88." (TRT- 8; ArgInc 0000514-08.2020.5.08.0000; Tribunal Pleno; Relator: Des. Gabriel Napoleão Velloso Filho; Julgamento em 14/09/2020; Data de publicação: 15/09/2020).
O Tribunal suscitou falta de proporcionalidade entre o tratamento conferido a outros sistemas jurídicos e aquele previsto na legislação trabalhista. Considerou que o tratamento diferenciado entre reparação de dano oriundo de relação de emprego ou de consumo afronta a isonomia. No caso, a indenização do trabalhador estará sujeita aos critérios do art. 223-G, §1º, CLT, enquanto o consumidor será reparado integralmente, nos parâmetros constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade.
Os desembargadores apontaram, ainda, que a fixação de teto engessa a atuação do juiz. Ressaltaram, também, o julgamento do STF a respeito da não recepção, pela Constituição Federal, do sistema de tarifação do dano moral previsto na Lei nº 5.250/1967 (Lei de Imprensa).
4.5. Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região
Em setembro de 2019, foi publicado acórdão proferido pelo Tribunal Pleno do TRT da 23ª Região no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0000239-76.2019.5.23.0000[27]. Por unanimidade, o TRT declarou, em controle difuso e incidental, a inconstitucionalidade do parágrafo 1º, incisos I a IV, do art. 223-G, da CLT.
Segundo o acórdão, a limitação à quantificação indenizatória dos danos extrapatrimoniais na seara trabalhista é materialmente incompatível com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da reparação integral do dano.
Outrossim, a fixação de tetos indenizatórios culmina em cerceamento da atuação dos julgadores. Frisou, novamente, que o STF e STJ já afastaram limitação semelhante, prevista na Lei de Imprensa, dada sua incompatibilidade com a ordem constitucional vigente.
[27] Ementa: "ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. ART. 223-G, § 1º, I A IV, DA CLT. LIMITAÇÃO PARA O ARBITRAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL COM A CR/88. INCONSTITUCIONALIDADE. É inconstitucional a limitação imposta para o arbitramento dos danos extrapatrimoniais na seara trabalhista pelo § 1º, incisos I a IV, do art. 223-G da CLT, por ser materialmente incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, acabando por malferir também os intuitos pedagógico e de reparação integral do dano, em cristalina ofensa ao art. 5º, V e X, da CR/88." (TRT- 23; ArgInc 0000239-76.2019.5.23.0000; Tribunal Pleno; Relator: Des. Tarcísio Régis Valente; Julgamento em 19/09/2019; Data de publicação: 24/09/2020).
Para o Tribunal, a utilização de outro referencial para o quantum indenizatório, em substituição ao salário contratual, não afastaria a inconstitucionalidade da norma. Assim dispôs o acórdão:
"É válido registrar, por fim, que nem mesmo a dicção emprestada ao §1º e incisos I a IV do art. 223-G da CLT pela MP 808/2017, vigente de 14/11/2017 a 23/04/2018, teria o condão de afastar a inconstitucionalidade ocasionada pela limitação de valores ali prevista, pois, nada obstante fosse eliminada a disparidade entre as indenizações de mesma gravidade, por ter como base de cálculo o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, e não o salário contratual do ofendido, remanesceria a disparidade entre as indenizações que poderiam ser arbitradas pela justiça comum e pela justiça trabalhista, obstando o estabelecimento para os trabalhadores de indenizações proporcionais aos danos e impedindo-se, dessa maneira, que houvesse sua reparação integral, bem como que fosse privilegiado o princípio da dignidade da pessoa humana."
Ainda, por unanimidade, o Tribunal aprovou a edição de súmula regional com a seguinte redação:
"SÚMULA Nº 48 - ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. ART. 223-G, § 1º, I A IV, DA CLT. LIMITAÇÃO PARA O ARBITRAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL COM A CR/88. INCONSTITUCIONALIDADE. É inconstitucional a limitação imposta para o arbitramento dos danos extrapatrimoniais na seara trabalhista pelo § 1º, incisos I a IV, do art. 223-G da CLT por ser materialmente incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, acabando por malferir também os intuitos pedagógico e de reparação integral do dano, em cristalina ofensa ao art. 5º, V e X, da CR/88."
A jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho é, como se vê, forte indicativo de como deverá se encaminhar o julgamento do tema no Supremo Tribunal Federal.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tabelamento das indenizações por danos extrapatrimoniais, estabelecido no §1º, do art. 223-G, da CLT, deve ser interpretado à luz da Carta Constitucional, do princípio da reparação integral e da dignidade da pessoa humana.
Parâmetros quantitativos são bem-vindos, eis que harmonizam a jurisprudência e mitigam os riscos de indenizações absurdas - seja porque ínfimas, seja porque exorbitantes. Tais parâmetros, contudo, não devem ser interpretados como pisos ou tetos para quantificação indenizatória.
A jurisprudência pátria vem sinalizando a inconstitucionalidade da tarifação indenizatória. O STF e o STJ decidiram que os artigos 51 e 52, da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) - que previam o tabelamento das indenizações por danos morais decorrentes da responsabilidade civil do jornalista profissional e da empresa midiática, limitando-as em números de salários-mínimos - não foram recepcionados pela Constituição Federal.
Nas ADIs 6050, 6069 e 6082 - ainda não julgadas pelo STF - o Min. Relator já sinalizou seu entendimento de que não há inconstitucionalidade na utilização, pelo magistrado, de critérios de quantificação dos danos extrapatrimoniais em matéria trabalhista. Contudo, conferiu interpretação conforme à Constituição ao artigo 223-G, da CLT, para que seus critérios sejam utilizados como parâmetro de definição do quantum reparatório, e não como teto.
Diversos TRTs também analisaram o tema em Incidentes de Arguição de Inconstitucionalidade. Todos os julgamentos identificados até o fechamento do presente artigo foram no sentido de que a fixação de teto é inconstitucional.
Ponderamos, contudo, que a construção do racional jurídico deve ser coerente. Assim, se os parâmetros quantitativos apresentados pelo art. 223-G, §1º, da CLT, não devem ser tomados como teto, mas como mero parâmetro, referidos parâmetros também não poderão ser considerados pisos indenizatórios.
Em outras palavras: da mesma forma como a indenização poderá ser fixada em valores superiores aos previstos no referido dispositivo legal, quando necessário, o quantum indenizatório também poderá ser fixado em valores inferiores àqueles, quando as condições do caso assim o justificarem.
REFERÊNCIAS:
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CORTIANO JR., Eroulths; RAMOS, André Arnt. Dano moral nas relações de trabalho: a limitação das hipóteses de sua ocorrência e a tarifação da indenização pela reforma trabalhista. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 7, n. 2, 2018. Disponível em: <http://civilistica.com/dano-moral-nas-relacoes-de-trabalho/>. Acesso em: 25 fev. 2019.
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2017.
LUDOVICO, Giuseppe. Danos não patrimoniais (direito italiano). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Pedro Paulo Teixeira Manus e Suely Gitelman (coord. de tomo). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/387/edicao-1/danos-nao-patrimoniais-%28direito-italiano%29>. Acesso em: 16 dez 2022.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 10. ed. São Paulo: LTr, 2018.
REIS, Clayton. Os novos rumos da indenização por dano moral. Forense: 2002.
WUENSCH, Sabine. Non-Pecuniary Damages in the Age of Personality Rights: A Search for a Fair and Reasonable Framework Comparing the German and Italian Legal System (September 23, 2009). Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2368191> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2368191>. Acesso em: 16 dez 2022.